quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Desconstruindo Egos

Pergunta: O senhor pode falar um pouco sobre a construção e a desconstrução do ego?

Monge Genshô: O ego, o “eu” são fabricados, nós os construímos e precisamos muito deles. Às vezes as pessoas dizem, “mas o senhor quer desconstruir o “eu” e como vou viver sem meu eu?”. Isto está completamente errado. Você precisa muito do seu eu, às vezes nós precisamos até de mais de um eu.

Eu carrego 2 cartões de apresentação: um diz: “Petrucio Chalegre, Prajna Consultoria, Diretor”, e então eu o entrego para as pessoas que querem falar com um consultor e falam com um consultor, e quando estou falando como um consultor, não sei onde está o monge. E eu tenho outro cartão que diz: “Monge Genshô, Monge Zen Budista, Comunidade Zen Budista de Florianópolis”, e este então eu entrego para outras pessoas. Isso cria algumas confusões porque as pessoas me ligam no celular e dizem: “quem fala?”. Elas deveriam, na verdade dizer: “eu sou fulano de tal quero falar com tal pessoa”.  E quando eu pergunto “com quem quer falar?”, e eles perguntam se é da Comunidade Zen, eu pego a máscara de monge, coloco-a, e digo, “sim, sim eu sou o monge Genshô”, e automaticamente eu fico assim mais amigável. Mas se a pessoa diz: “aqui é da empresa tal, queremos falar sobre um projeto”, então eu digo: “pois não, sou Petrucio Chalegre, o senhor já acessou o meu site? E minha voz fica automaticamente mais incisiva.

Se você perguntar assim: “Quem você é?”, eu sou a pessoa que for necessária dentro de uma circunstância. Em casa há outras máscaras, às vezes uso a máscara do pai e dou uma bronca no filho; ou estou com a minha esposa e ela diz, você não vai sair com este sapato, coloca esta meia, coloca este sapato , esta camisa não, tira esta camisa, dai eu protesto, reclamo, mas obedeço, então sou o marido e este é o personagem do marido. E quando chegamos na sangha ela diz: “Senhor Monge, o que que eu faço?”. Aí é o monge, é outra pessoa. 

Enfim, o que quero dizer é que nós somos muitos "eus" diferentes, muitos egos diferentes e todos são construídos e deveríamos olhar para eles com este olhar irônico de quem veste uma fantasia. “Ah, vesti esta fantasia, e agora aquela outra e aquela outra”.

 Mas se você perguntar: Quem é você de verdade? De verdade? Nenhum deles. Nossa verdadeira natureza é outra coisa, é o que temos que descobrir aqui, nossa NATUREZA BÚDICA, desperta, que olha todas estas coisas da vida como um jogo, com ironia, vendo com clareza como é, como  as coisas são todas construídas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Pássaro de uma asa só


Aluno – É difícil entender o que é aceitação, e depende do nível de raiva que surge de dentro. O que é verdadeiramente a prática da aceitação?

Monge Genshô – A prática da aceitação é parecida com a oração de São Francisco, “que eu seja capaz de me esforçar pra mudar o mundo, que eu seja capaz de reconhecer, de perceber o que eu não tenho capacidade de mudar, que essas coisas eu tenho que aceitar, e que eu tenha sabedoria pra ver a diferença”. Porque às vezes nós pensamos que não somos capazes de mudar, e somos. Esse é um problema candente no Brasil de hoje. Lutam duas ideias: nós somos capazes de mudar ou as coisas têm que ser assim, sempre foram assim e não tem como mudar e nós temos que aceitar que os seres humanos, a política, tem tal e tal característica? Nós somos capazes de mudar ou não?

É evidente que nós somos capazes de mudar. Se nós nos conformarmos e acharmos que sempre foi assim e sempre será, então nós nunca seremos capazes de mudar. Mas se existem países diferentes do nosso, nós podemos ser diferentes, nós podemos mudar. Então, o que é aceitação é uma questão de ter sabedoria pra ver a diferença entre o que eu posso mudar daquilo que eu não posso. E isso exige diligência e perseverança.

Um pássaro voa com duas asas, então a exigência é que você tem que ter as duas asas. Você tem que ter a prática e tem que ter o ensinamento. É errado dizer, “ah, eu sou um praticante do Zen, o Zen enfatiza a prática, o zazen, eu não preciso ler nada, não preciso estudar”. Isso é errado. Você precisa ouvir as palestras, você precisa ter contato com os professores, você precisa ler. Agora, se você só pensar em ensinamento, é uma asa só, esse pássaro não voa. Você fica orgulhoso de seu ensinamento e ainda fica querendo dar explicação pros outros quando você não está habilitado. Não é isso. O que você tem que fazer é tentar aprofundar o seu conhecimento e do outro lado, você tem que praticar o ensinamento. Mesmo que você falhe continuamente, tem que tentar praticar.

O grande problema dos iniciantes budistas é que acham o budismo maravilhoso, aí começam a estudar, mas não conseguem fazer nada, aí chegam em casa e a família diz: “mas você não é budista? Como é que você está agindo assim agora?”.

Uma vez eu estava fazendo uma palestra com um amigo meu e uma senhora disse assim: “eu não posso me imaginar sendo assim, calma que nem vocês”, e ele disse, “isso é porque a senhora não chegou no meu limite”. Porque todos nós temos algum limite. Então você pratica na sua vida, tenta praticar os ensinamentos diariamente, faz da sua vida os ensinamentos e é assim que você começa a voar. Quando alguém se ilumina, isso pode significar que pode ser uma iluminação de nível bem baixo, ou seja, o mestre reconhece que você tem uma “compreensão”. Você compreendeu, entendeu, mas isso não passou ainda pra vida. Passar para os atos, é um nível muito alto. Então, se dividirmos em 4 níveis, a compreensão seria o primeiro. Ação iluminada é quando a pessoa anda iluminada, trabalha iluminada, já passou para a ação e é um nível altíssimo. Nos outros níveis, ainda não chegou lá, ainda não chegou à ação. E no primeiro nível é apenas entendimento,  já é um grau de iluminação, mas é apenas entendimento.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

As montanhas e os rios

Antes de entendermos o Zen, as montanhas são montanhas e os rios são rios;

Ao nos esforçarmos para entender o Zen, as montanhas deixam de ser montanhas e os rios deixam de ser rios;

Quando finalmente entendemos o Zen, as montanhas voltam a ser montanhas e os rios voltam a ser rios.

Conto Zen

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Libertando a Mente




As pessoas levam um bom tempo pra se declararem budistas, normalmente passam bastante tempo pensando, “eu sou budista?”, "não sei". Até que um dia, a pessoa diz: “eu sou budista”, e ele se tornou, não foi convertido. Ele tem até uma ideia do quê é ser budista, que pode ser diferente da ideia de outra pessoa. E com o tempo ele vai ser o quê? Ele mesmo. O budismo serviu de que? De veículo pra sua libertação. É isso que o budismo é, um método, um veículo para sua a libertação, iluminação.

E o que é a iluminação, de verdade? É lucidez, lucidez completa sobre os mecanismos da vida, não ilusão, não se deixar arrastar pelos sonhos que vão conduzindo as pessoas, enrolando de forma tal que a pessoa no fim não consegue nem ser feliz, porque comprou sonhos - eu tenho que ser isso, tenho que ser bem sucedido, tenho que ser vitorioso, tenho que ser triunfador, tenho que ser, eu não sei o quê, etc, coisas que ficam tentando vender para  a gente todo o tempo.

O processo de ser monge, no fim, é dizer: “eu não vou ser nada do que vocês estão imaginando que eu tenho que ser, vou raspar minha cabeça para demonstrar isso, ninguém vai me vender nenhuma tintura, ninguém vai me vender nenhum penteado, ninguém vai fazer nada disso, porque estou recusando entrar nesse tipo de processo em que alguém me convence de algo ilusório”, e daí a gente pode imaginar que há monges que se tornaram bons monges mesmo, cresceram, se iluminaram e deixaram crescer o cabelo.

Tem uma mestra americana, Charlotte Jokko Beck, ela se tornou monja, uma grande mestra, bastante respeitada, aí quando chegou no fim da vida, ela deixou crescer o cabelo, parou de usar roupa de monja, as pessoas telefonavam para ela e diziam: “Posso visitar a senhora? Tenho sonho de conhecê-la”, e ela dizia: Mas para quê? Eu não tenho nada para dizer...”.  Quando tiverem oportunidade leiam os livros dela, são interessantes, assim como de outros monges que optam por outra vida, como Thich Nhat Han, o Mestre Zen vietnamita, que está morrendo, ele já está velhinho e passou a vida escrevendo, ensinando, e tudo o mais, e tinha ideia do que seria a vida que ele queria ter, teve a liberdade de ter a vida que queria. Porque se libertou.

E isto é o Zen.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

As vestimentas


Aluno – Qual a explicação para as diferentes cores nas roupas dos monges?

Monge Genshô – Quando você faz a Cerimônia de Jukai, antes você costura um rakusu para poder participar desta cerimônia e fazer os votos dos 16 preceitos. Na nossa sangha você usa uma cor preta, que é a cor da humildade, eu não vou aparecer, eu vou desaparecer, quanto menos aparecer melhor.

Quando você se ordena como Monge Noviço, você usa a cor preta. O kimono é branco, o Koromo é preto, e o manto é preto. Em 2008 eu fiz o Hossenshiki, que é uma cerimônia em que você se gradua como monge, você deixa de ser noviço e passa a ser Monge Aprendiz, “Zagen”. Aí você pode fazer limitadamente certas coisas se o mestre autorizar você. O Hossenshiki é um exame público em que o monge é interrogado por todas as pessoas e tem que responder sem exitar. Nós fizemos um aqui em 2008. Mas você continua usando preto, não muda nada de cores.

Em 2010 Saikawa Roshi me deu a transmissão, então eu deixei de ser “Zagen”, Monge Aprendiz, para ser “Osho”, que significa "mestre". A partir desse momento, você pode usar algumas cores, em geral marrom. Agora vou ao Japão para mais uma graduação e então vou poder usar um manto amarelo, que  a cor do manto de Buda. Vou ser Abade dos Mosteiros de Eihei-Ji e Soji-Ji por 1 dia, aí recebo esse reconhecimento da Escola Sotoshu. É por isso que as cores mudam.

Isso também pode causar perturbação, porque algumas pessoas acabam gostando muito, e esse aspecto institucional ou de carreira pode ser perturbador para o “eu”, então você tem que tomar muito cuidado com isso. Então, mesmo que em 2010 eu comecei a ser chamado de “Sensei”, aqui na sangha ninguém foi autorizado a me chamar de “Sensei” por 1 ano, eu não deixei, até que veio alguém de fora e me chamou de Sensei na frente de todo mundo, aí então isso começou a acontecer. Esse rakusu colorido eu ganhei de presente. Só usam rakusus coloridos na nossa linhagem os  graduados, em outras sanghas pode ser diferente.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Budismo e Deuses




Monge Genshô: Seu nome, seu título, “Buddha”, esta raiz “Bud”, significa acordado, desperto. Então “Buddha”, significa “aquele que acordou”. Mas acordou do quê? Acordou de tudo aquilo que as pessoas se apoiam, as ilusões. Ele acordou e entendeu que todos os deuses do hinduísmo não existiam por si mesmos. A partir de então, para o budismo, os deuses existem porque as pessoas crêem neles. Não é que eles existam e as pessoas, por causa disso, depositam crenças neles. Não. Eles existem criados pelas crenças. São os crentes que sustentam a existência dos deuses. Quando o último crente deixa de acreditar em um deus, esse deus morre. É como aquela famosa passagem do poeta – “O grande deus Pan morreu. Ninguém mais acreditava no deus Pan, então ele desapareceu”.