sábado, 28 de fevereiro de 2009

Somos o centro de tudo?



É evidente que não somos centrais, o que o budismo ensina é que somos parte de tudo, e essa nossa existência nada mais é que espuma surgindo no vazio, e bolhas surgem e desaparecem, porem o vazio não é algo, e se manifesta somente como forma, a forma é o vazio e o vazio é a forma. Para o budismo se achar importante nada mais é que uma manifestação do eu, o supremo engano.
Se enxergarmos que somos a própria unidade perceberemos a eternidade e que morte e nascimento são ilusões. Neste momento podemos dispensar deuses, e outras fantasias, a que os homens se agarram com tanto apego.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Duvido da salvação...




Bem, eu não duvido da salvação do sofrimento, se afinal alguém abdica completamente do seu eu, não ambiciona sobreviver à morte, e vê que tudo está integrado e não tem um eu inerente, tem essa dor e sofrimento findas.
Não se trata de se salvar da morte, no sentido cristão, através da ressurreição, ou de uma reencarnação em outras linhas, mas sim de se liberar do aprisionamento do eu, é o que o sutra do coração da sabedoria diz: vendo o vazio dos cinco agregados o bodisatva livrou-se completamente de toda dor e agonia. Por isso pode enfrentar a morte sobranceiramente, a um mestre no leito de morte um aluno perguntou: Onde poderemos encontra-lo? Uma magra mão surgiu das cobertas e traçou um pequeno círculo no ar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Fotos do sesshin de Florianópolis


Fotos de Michel Seikan

Fotos do sesshin de carnaval da Sangha de Florianópolis aqui

Sesshin da Gratidão no Busshinji


Foto do sesshin da Gratidão no Templo Busshinji em SP, ocorrido durante o carnaval de 2009, contou com a presença de Saikawa Roshi monges e leigos dedicados à meditação durante os dias de festa popular.

Como o Dharma vê o redator de cartas anônimas?


Creio que a pergunta se refere as pessoas que, ocultas por pseudônimos ou sem assinar, despistando o lugar de onde escreve, redige com o intento de perturbar, alimentar conflitos ou acusar, ameaçar e ofender. Evidentemente ela descumpre o preceito da fala correta do nobre caminho óctuplo, que Buddha recomendou como caminho para a libertação, e também o preceito de não mentir ou falar a verdade com má intenção, as próprias falsidades implícitas no seu disfarce de identidade revelam a mente desequilibrada do redator, ele deveria examinar suas motivações internas e perceber que ao alimentar a aversão e a raiva dá alimento a dois dos três venenos mais deletérios para a mente (apego, aversão, raiva).
É difícil ajudar as pessoas dedicadas à cizânia, pois sua perturbação toma tal vulto que impregna sua mente em todos os momentos do dia, maquinando as palavras e manipulações que usará para aumentar os conflitos no mundo, normalmente seu prazer, mãos tremendo à frente de um teclado, será ver o maior mal possível ocorrer às pessoas objeto de sua aversão. A ação correta, em contraponto, é falar do carma e jamais reagir diretamente, alimentando o desequilíbrio, exortar ao bem, não fazer o mal, um erro jamais justifica outro.
O carma resultante obviamente é mau, e a recuperação deve começar pelo voto de arrependimento que leigos e monges recitam na cerimônia de Uposatta:

De todos os atos negativos alguma vez cometidos por mim,
Devido a meu apego, aversão e ignorância,
Nascidos de meu corpo, boca e mente,
Agora, de todos eu me arrependo.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A "posse" do Dharma


Proudhon

P: Como é a história dos textos budistas em relação a autoria?

R: O Dharma (o ensinamento) nunca é vendido, porque não tem preço, nos sutras do cânone jamais consta autoria, apenas a frase: "assim eu ouvi" e depois, as palavras de Buddha. Os sutras posteriores seguem em sua maioria este mesmo modelo, sem serem assinados ou terem sua autoria reivindicada. As primeiras referências regulares de autor surgem na China, 1200 anos após Buddha, e muitas vezes são apócrifas.
Nos tempos modernos, a manifestação de ego tornou-se cada vez mais forte, e os textos vão sendo assinados em benefício dos historiadores e exegetas. No entanto é ainda um padrão que os textos budistas sejam oferecidos para o benefício de todos os seres e permitida a sua reprodução livre, é o padrão que usam os sites ligados a nossa comunidade zen, embora só sejam publicados textos autorizados, todos podem livremente copiar os nossos textos e mesmo as programações, que já são usadas há mais de uma década, para o uso na difusão do Dharma. Ou seja, não passa pela mente dos verdadeiros praticantes budistas defender para si ou outrem a posse ou propriedade do Dharma, ele é dado livremente e se há retribuição esta é espontânea. Evidentemente se reconhece a necessidade de vender livros e materiais vários, porém sempre para o sustento de obras meritórias e não para enriquecimento pessoal.
O âmbito do Dharma é um dos poucos lugares onde vingou a máxima do socialista utópico Proudhon "toda propriedade é um roubo", o Dharma não é posse de ninguém,
pretende libertar todos os seres e não pode ser limitado pelo desejo de lucro próprio.

Agradecemos a G.S. as sugestôes sobre português, perguntas e temas que facilitam o trabalho do redator do Blog. Encorajamos outros leitores assíduos a também colaborarem.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Perguntas sem fim


"E eu fazia perguntas e as fazia desesperadamente, como a quem faltasse ar. Ainda tenho perguntas e certamente tenho dúvidas, mas agora quando ouço as pessoas fazendo perguntas, vejo um pouco melhor o que é que elas estão fazendo. Entendo o que sentem e sei que perguntas geram mais perguntas e respostas não são coisas que apagam o fogo e a ânsia. Observo. O fogo e a ânsia são bons. As perguntas provam a existência da sensação de urgência. Em fim, não são a respostas dos mestres que acalmam o adepto; é a presença deles que facilita o processo e a paciência deles ao enfrentar o rio de perguntas até se esgotar, até se reconhecer que existem outros recursos."
(J. Gross, escrevendo desde Los Angeles sobre o zen)

Devido ao retiro de carnaval só retornarei a postar quarta feira próxima

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Folhas do Caminho

Post com comentário excelente, abrangendo o lado psicológico/clínico sobre Judas/Devadatta postado no blog Folhas do Caminho pelo Prof. Ricardo Sasaki (Dhanapala) clique aqui

Judas e Devadatta




Os líderes espirituais partilham um acontecimento de oposição que parece ser um arquétipo humano. Nas figuras acima, em cores, Devadatta, primo de Buddha, seu discípulo e admirador e que, tomado de inveja pela proeminência, que mesmo sem desejar, por simplesmente trabalhar, o Mestre acumula, tenta fundar sua própria Sangha em oposição a Buddha. Por todos os meios de conversas, acusações falsas e intrigas, consegue levar um grupo de monges que nele acreditam. Ao fim, tenta matar o mestre, fracassa e é abandonado por todos, conta a lenda que a terra o engole, mas os sutras deixam-lhe a esperança de, após muito sofrimento, retornar após kalpas e vir a se tornar um verdadeiro líder espiritual, esgotado o carma de traição.
Na outra figura Judas, antes de seu suicídio, uma figura escura, arrasado por ter se lançado contra o mestre a quem havia amado a princípio. Diferentemente da abordagem budista o castigo de Judas é eterno e sem remissão.

Gandhi, Martin Luther King, Hui Neng, o 14' Dalai Lama, todos sofrem ou sofreram esse ódio mesclado de amor ressentido, que às vêzes resultou em assassinato. As características comuns deste arquétipo são:
1) No início uma idolatria, um culto apaixonado.
2) Após, o surgimento de uma inveja, um desejo de ser aquele ser por qualquer meio, ou substituí-lo ou destruí-lo.
3) Paulatinamente o uso de meios crescentes, imitação, depois intrigas ou tentativa de reunir aliados com sentimentos iguais.
4) Fracasso, seguido de recrudescimento do ódio até o assassinato ou arrependimento quando tudo dá errado e o carma produz desastres pessoais, auto destruição e integração à história como seres de opróbrio público.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O que é pior?


Uma advogada pergunta: O que é mais grave? Quebrar os preceitos monásticos ou cometer um crime que está previsto na Constituição Federal?

Para o praticante budista os preceitos sem dúvida são o seu guia, a constituição pode dizer que consultar o youtube ou usar seus vídeos é crime, no entanto a sociedade toda já age de forma diversa e naturalmente a lei será alterada, como sempre sucedeu. Os preceitos existem há 2600 anos, a constituição desde 1988 e está sendo continuamente emendada para se adequar aos novos tempos.
O praticante precisa discernir qual o efeito cármico de suas ações, e escolher como agir dentro do contexto, cada um o fará dentro de seu entendimento mas os efeitos virão sem dúvida alguma.
A confusão provem de se confundir o direito com a justiça ou com o bem.
Um praticante, por exemplo, não conta piadas maliciosas, não porque a lei o proíba, mas porque fala correta é um preceito budista. Um monge não tem vida de festas não por alguma lei, mas pelos votos que assumiu. Os preceitos vão muito além em ética do que as leis forjadas pelos nossos políticos.

Para ajudar a compreender por que a pergunta "o que é pior?" provem de relativismo moral e é impossível de ser respondida filosoficamente:

"Há duas vias de relativismo moral: o dogmático («Há muitas interpretações sobre o bem e o mal, mas uma ou algumas são preferíveis às outras) e o céptico («Há muitas interpretações sobre o bem e o mal, é impossível hierarquizá-las, valem todas o mesmo»).
Por definição, no subjectivismo a verdade é íntima a cada um e não é comunicável a outros, universalizável.
.....
O subjectivismo admite, de um modo geral, a coexistência de múltiplas verdades que se contradizem entre si, ainda que, a maioria dos subjectivistas sustente que «a minha verdade é a mais acertada ou a que mais me convém». No pormenor, no juízo aplicado a cada caso, somos todos subjectivistas éticos."

(Francisco Queiroz)

No caso do budismo há relativismo dogmático, ou seja hierarquia de faltas, aqui vai a lista das mais graves:

A tradição indica que existem cinco ações que produzem um renascimento certo e imediato em uma situação de sofrimentos infernais:

- matar o pai
- matar a mãe
- causar cisão na Sangha
- ferir um Buda
- matar um Arhat

Assim sendo, estes crimes estão acima dos outros em consequência, não importa qualquer lei humana que possa ser citada.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Sutra da Rede de Brahma - o sexto preceito


Os monges em sua ordenação como noviços e leigos que recebem rakusu (votos)comprometem-se com 16 preceitos. O sexto deles:

6. Sexto Preceito Maior: Não Veicular as Faltas da Assembléia
Um discípulo de Buddha não deve veicular as faltas ou infrações de Bodhisattvas
ordenados ou leigos, nem de monges e monjas comuns, nem encorajar outros a fazê-lo. Não deve criar as causas, condições, métodos ou karma de discutir as faltas da assembléia.
Enquanto discípulo de Buda, sempre que ouça pessoas malévolas, não-budistas ou
seguidoras dos Dois Veículos falarem de práticas contrárias aos preceitos no seio da
comunidade budista, deve instruí-los com mente compassiva e levá-los a desenvolver uma fé sadia no Mahāyāna. Se, em vez disso, discute as faltas e más ações que ocorram no seio da assembléia, comete uma ofensa Pārājika (ofensa grave).

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Para onde o senhor vai?


Um mestre estava à morte, um aluno perguntou: - Para onde o senhor vai agora? E ele respondeu: - Não há nenhum lugar para ir.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O que acontece quando morremos?


"O que acontece conosco quando morremos?" perguntou uma mulher. "Se nós não vamos para o céu ou inferno nem renascemos em outra vida, o que acontece conosco?".
"Isso é o Ego falando" eu disse. "O ego fica pensando sobre si mesmo como uma criatura eterna. O ego habita no 'tempo' mas 'eterno' significa fora do tempo. Assim poderíamos também perguntar o que acontece com a gota de chuva quando cai em seu devido tempo? Muitas coisas podem acontecer; mas para nossas propostas, nós dizemos que em seu estado material, não é nem criada nem destruída e aceita que eventualmente retornará ao oceano. Nossa 'individualidade' como uma gota de chuva desaparece quando nos fundimos com o oceano mas nossa natureza como água continua a mesma ... nós retornamos à fonte, mas é uma fonte da qual nunca saímos."
"Quando nós reconhecemos que o ego não existe em qualquer sentido real mas somente como um artifício da mente, não há mais nada que precise de explicação e a noção de renascimentos é vista nada mais do que um jogo intelectual. A pessoa, como a gota de chuva, se funde ao mar e o Dharmakaya, um mar onde individualidade, em qualquer modo de concepção, está totalmente apagada. Se separa uma molécula de água do oceano em uma gota quando um de nós morre e outro nasce? Talvez sim, talvez não, mas é uma questão fora do Zen porque é intelectual. Quando tentamos usar o intelecto para agarrar a realidade nós sempre retornamos as mesmas limitações da mente. Se respondermos a questão intuitivamente, nós diremos que nunca houve separação entre a gota d'água e sua fonte".

Trecho de texto de Chuan Zhi Shakya, OHY
Tradução por Aluízio Leye Larangeira

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Há divergências doutrinárias entre os budistas?


Isso é permanente na história do buddhismo, existe uma certa liberdade de pensamento que faz os monges (na foto, monges tibetanos, debatem a doutrina como um exercício de treinamento)e mestres divergirem, e quando essa divergência se aprofunda surgem novas escolas e abordagens, com o tempo a maioria dessas morre por falta de seguidores e restam alguns caminhos principais, formas de pensar que se consolidam e sobrevivem ao teste do debate. Porem é bom considerar que para o zen as idéias e palavras em si são meras sombras e não refletem, nem poderiam, a verdade última.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Buddha sai do palácio



Rahula, filho de Buddha e um de seus mais destacados discípulos.

P: Buddha abandonou esposa e filho. Um pequeno ou grande sacrifício por parte dele? Quão grande deve ter sido o efeito desse abandono na vida da mulher e do filho e da mãe e do pai? Qual teria sido o efeito cármico de um ato deste para Gautama?


R: Grande, sem dúvida. Veja que ele não era um iluminado quando deixou seu palácio. Nem temos porque tentar defender os atos de Buddha antes da iluminação; ele não era diferente de mim ou de você. Era um homem perturbado, cheio de dúvidas sobre o sofrimento, angustiado pela existência da morte.

Que foi difícil sua decisão, é de imaginar: cortar seus laços e tentar encontrar as respostas... Você pode avaliar pela sua própria luta para cortar com o passado e encontrar seu próprio caminho. Difícil, dolorido, coisa que precisa de coragem e determinação.

Do ponto de vista ético, podemos citar S. Thomas de Aquino, nas dúvidas morais optar pelo maior bem para o maior numero de pessoas, Não há dúvida de que este objetivo foi atingido no caso de Buddha.

Por outro lado Rahula, seu filho, foi mais tarde um dos grandes discípulos de Buda, um de seus mais próximos seguidores, sua mãe adotiva foi a iniciadora da ordem feminina e também grande discípula. A esposa faleceu antes dessa oportunidade.

Ao que parece, a família o seguiu. Assim podemos dizer que o mau carma de abandono de Sidharta parece ter sido resgatado pela sua atuação depois de se tornar o Buddha.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Buddha sabia que iria achar um caminho?



Buddha, estátua representando seu período de ascetismo extremo, uma de suas tentativas de achar o esclarecimento e que ele concluiu ser um erro.

Não creio, lemos nos textos sobre a sua grande angústia e desejo de alcançar paz, um homem cheio de dúvidas, e que causou sofrimento a sua família ao abandona-la, naquele momento ele era Gautama, não se tornara o Buddha, o desperto.
Seu caminho procurando uma coisa depois outra para achar a solução mostra que no mínimo ele não tinha idéia sobre como achar uma solução para o sofrimento, o que tinha era determinação, seu relato é bem detalhado sobre suas experiências. Neste link um resumo da vida de Buda baseado nas escrituras Páli, ou seja , o registro mais antigo disponível: http://www.acessoaoinsight.net/caminho_liberdade/buda.php#Bodisattha .

Penso que ele, apesar de ter tentado aprender com dois grandes mestres de yoga, não se conformou porque não obtinha respostas cabais. Sua solução inclui uma negação da existência de almas ou espíritos, portanto uma recusa da reencarnação como normalmente a entendemos, um rompimento drástico com as crenças de sua época e ainda predominantes no mundo atual. Admitiu uma continuidade, mas não a continuidade “do mesmo indivíduo”. Portanto creio que ele não partiu com idéia pré concebida mas pelo contrário trabalhou durante seis anos para encontrar a solução e o fez não através do raciocínio mas da meditação, da iluminação.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A angústia do fim do EU


P: As vezes acho que o Budismo está me levando rumo ao ceticismo. Estou achando mais fácil me perceber apenas como um "boneco genético" do que como um "boneco kármico". Estou achando que com a morte vem o vazio, a extinção, o fim. Sê não há nada sagrado, nada supremo, por que imaginar que há samsara? Só agora me dei conta de que o Deus que eu conseguia conceber, de fato, nunca pôde interferir. Estou triste e o mundo parece o caos.



R: A genética também tem raízes cármicas... A morte de um eu não é o fim de mais do que a ilusão do eu, a sua verdadeira natureza continua e não pode se extinguir, a continuidade é óbvia "nada se extingue, tudo se transforma" como diria Lavoisier, ou as leis da conservação da energia, que conhecemos bem, e são básicas na física. Samsara não é algo mas uma maneira de ver, porque você vê com olhos de perambular, por isso, anda de um lado ao outro procurando a felicidade. O que você precisa agora é procurar a sua verdadeira natureza, se você a vir tudo será claro, e um grande contentamento surgirá, infelizmente você precisava passar por esta destruição das ilusões egóicas para poder ver com clareza além do sonho.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Quando tudo se desfaz


Quando tudo se desfaz e nos encontramos à beira sabe-se lá de que, o desafio que se apresenta a cada um de nós é o de permanecer nesse limiar, sem buscar alguma ação concreta. O caminho espiritual não tem nada a ver com o paraíso, com chegar finalmente ao céu. Na verdade, esse modo de encarar a vida é que nos mantém infelizes. Pensar que podemos encontrar algum prazer duradouro e evitar a dor é o que o budismo chama de samsara, o ciclo inútil que gira e gira, infinitamente, e nos causa tanto sofrimento. A primeira nobre verdade que o Buda nos apresenta chama nossa atenção para o fato de o sofrimento ser inevitável para nós, seres humanos, enquanto acreditarmos que as coisas permanecem, que não se desintegram e que podemos contar com elas para satisfazer nossa ânsia de segurança. Sob esse ponto de vista, o único momento em que realmente sabemos o que está acontecendo é quando nos puxam o tapete e não encontramos nenhum apoio. Podemos utilizar situações desse tipo para despertar ou escolher dormir. Exatamente ali, precisamente no momento em que ocorre a experiência de faltar o chão, encontram-se as sementes que nos levarão a cuidar daqueles que precisam de nós e a descobrir nossa própria bondade.

...

A vida é uma boa professora e amiga. Se pudéssemos perceber, veríamos que tudo está sempre em transição. No fim, nada é como sonhamos. Esse estado descentralizado e indefinido representa a situação ideal. Nesse ponto, não estamos presos a nada e podemos abrir nosso coração e mente além de qualquer limite. Essa é uma situação sem agressividade, muito frágil e aberta.

Ficar nesse desequilíbrio, com o coração partido, o estômago apertado, o sentimento de desesperança e o desejo de vingança, é o caminho do verdadeiro despertar. Ficar na incerteza, pegar o jeito de relaxar no meio do caos, aprender a não entrar em pânico, esse é o caminho espiritual. Desenvolver a habilidade de perceber-se, de perceber-se com suavidade e compaixão, esse é o caminho do guerreiro. Gostando ou não, temos de nos flagrar um milhão de vezes e mais uma, quando congelamos em ressentimento, amargura e justificada indignação, quando congelamos de qualquer modo, até mesmo em sentimentos de alívio e inspiração.



PEMA CHÖDRÖN. Quando tudo se desfaz. Editora Gryphus - Traduzido por Helenice Gouvêa

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Mais alfaces


P: O vegetarianismo de alguns budistas não é radicalismo? Afinal, quando comemos alfaces não as matamos?

R: É verdadeiro que a vida vive da vida. É impossível viver sem causar sofrimento. Como disse um amigo meu, Lama tibetano: "budistas comem de tudo, mas no centro temos uma dieta vegetariana". A idéia não é radical, é de que podemos diminuir o sofrimento já que viver já o produz, pois vivemos de outros seres. Pelo menos no meu caso, não digo o que é certo ou errado. No zen não se pode fazer esta distinção.

Os que comem carne estão certos; os que não comem por compaixão aos seres que têm sistema nervoso(diferentes de alfaces) estão sentindo a dor dos outros seres, tentando diminuir o sofrimento inevitável que viver causa. Estão, à sua maneira, certos também. É o nível de sua percepção que é diferente.

É a sua condição cármica que os faz sentir assim. Outros nada sentem quando caçam, por exemplo. Trata-se de sua condição mental. Por essa razão, você verá tantas atitudes como as do Lama, ou as dos mestres zen que aceitam comer carne quando lhes oferecem, mas que nos mosteiros praticam um vegetarianismo sem exibições.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Vida, morte, sofrimento.




P: Existe diferença entre matar um animal para comer, ou colher uma alface?

Procure mudar o foco para o sofrimento e não apenas para a palavra matar, que tem um significado mais simples, ligado à vida. Quando você corta cabelos, ácaros podem se alimentar deles, bactérias idem. Você sofre quando seus cabelos cortados são consumidos? Não, porque não possuem um sistema nervoso como outras partes do corpo. Seria muito diferente se lhe cortassem um dedo para ser cozinhado. Assim, existe diferença entre uma folha alface e um ganso de foie gras, torturado para produzir uma iguaria. Assim, considerando a dor que seus atos causam, você pode ver melhor as marcas cármicas que eles produzem.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Soto Shu na Europa


Foto de 2007 da comemoração dos 40 anos do zen na Europa. La Gendronniere.

Durante 40 anos o zen se desenvolveu na Europa, durante um bom tempo trilhou um caminho independente, e , sob a égide de Mestre Deshimaru cresceu de forma a impressionar a todos. Como diz, no vídeo abaixo, um dos mestres atuais, doenças da juventude (jeneusse) fizeram alguns acreditar que o verdadeiro zen era libertário, avesso as instituições e a sede central, já com 750 anos, no Japão.
Criam estes que o "verdadeiro" zen estava no coração dos seus seguidores e que não era necessária nenhuma organização. Esta visão, algo anarquista e idealista, criou forças centrífugas, e os grupos começaram a se dividir e enfraquecer, cada um defendendo idéias próprias e métodos diversos.
Após esta enfermidade "nova era", o zen amadureceu, e em sua maioria, os monges mais velhos passaram a se filiar a Soto Shu, viajar até a sede, até o momento atual em que majoritariamente o zen francês tornou-se oficial e sua sede de La Gendronniere passou a ser o centro da Soto Shu na Europa.
Um vídeo, em francês, pode ser visto aqui com a comemoração dos 40 anos do zen na Europa e a presença de grandes mestres da Soto Shu, entre estes Aoyoma Roshi (abadessa do mosteiro feminino de Nagoya) e Saikawa Roshi (Sookan para América do Sul)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Opiniões


P: Não é verdade que, se não discutimos nossos pontos de vista, cada um fica com o seu e não se chega a lugar algum? Não estaremos condenados a repetir a opinião alheia, mesmo que seja a de um mestre? Por que não se deve defender opiniões no Zen?

R: É axiomático no Zen que a discussão, a linguagem e quaisquer meios similares não permitem ao homem achar o fim dos meandros da falsidade, da verdade etc. O método é silenciar e meditar. Do ponto de vista filosófico, o que você expressou está muito bem defendido por J. Barzarian em seu livro dialético sobre 'A verdade'. Mas o Zen não partilha dessa posição filosófica; estaria mais próximo a Hume e seu empirismo. Na verdade, o Zen é avesso à filosofia em si, embora eventualmente a use para alcançar alguns passos iniciais do caminho. Ou seja, no início é aceitável usar esses meios, mas logo a seguir devemos nos distanciar deles. As opiniões, mesmo dos mestres, são úteis apenas relativamente. Não serve falar sobre o sal, ele deve ser posto na boca; a verdade não será encontrada no discurso ou nas opiniões sobre o sal, e quem o prova não pode explicá-lo completamente aos outros. Cada um deve prová-lo por si. Assim, é a prática a essência do budismo e não o discurso.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Shiksha - Budismo, filosofia ou religião?


Monja Isshin comenta em seu blog (link ao lado)

"Encontro muitas discussões - e ninguém consegue chegar a uma conclusão definitiva - questionando se devemos considerar o Buddhism como uma religião ou uma filosofia. Mas isto é como tentar colocar uma peça redonda num buraco quadrado - não dá certo, pois os conceitos “religião” e “filosofia” são conceitos ocidentais e o Buddhismo não nasceu no ocidente.

Mesmo chamar a nossa prática de Zazen de “meditação” não é uma boa tradução, pois o termo original, “bhavana”, significa cultivo ou desenvolvimento. Assim, temos as práticas de metta-bhavana (cultivo de bondade amorosa), panna-bhavana (cultivo de sabedoria ou desenvolvimento de compreensão) e samadhi-bhavana (cultivo ou desenvolvimento de concentração), samatha-bhavana (cultivo da tranquilidade) e vipassana-bhavana (cultivo de “insight”), entre outros.

A palavra “meditação” pode induzir praticantes ao erro de pensar que a Iluminação é simplesmente o resultado do praticante ter alcançado um determinado nível de compreensão mental. Mas o Mestre Dogen é muito claro em nos instruir que precisamos “Aprender a Verdade com Corpo e Mente” (Shobogenzo, “Shinjin-gakudô”). Talvez seja por isso que a “forma” é tão importante no Zen japonês. Através do cultivo (”bhavana”), não somente a mente, mas também o corpo se ilumine e realizamos (tornamos real) o Caminho de Buddha.

Mesmo a palavra “zen”, que vem da palavra “ch’an” que foi a transliteração chinesa do termo dhyana (sânscrito) ou jhana (pali), frequentemente é mal-traduzida, como a meditação zen-budista. Mas, zen-ch’an-jhana-dhyana significa “absorção mental” e representa a base fundamental para o desenvolvimento da Concentração Correta."


Em seguida, compartilho um texto do Blog “Ox Herding“:

Hoje em dia, as pessoas se perguntam como devem chamar o Buddhismo. Muitas se referem ao Budismo como uma religião, outras o chamam uma filosofia, visão de mundo ou até mesmo um estilo de vida.

Estes conceitos teriam provocado estranheza nos Buddhistas antigos.

Os primeiros textos Buddhistas se referem aos ensinamentos de Buddha como um “sistema de treinamento” - shiksha, em Sânscrito. O treinamento Buddhista tem resultados específicos, tais como: generosidade, sabedoria, compaixão, bondade, e outras qualidades. E, obviamente, o despertar completo para a Natureza-Buddha inerente.

Os primeiros professores Buddhistas dividiram os praticantes em dois grupos: os que estavam ainda engajados no treinamento (shaiksha) e aqueles que haviam completado o treinamento (ashaksha).

Como comenta o tradutor Red Pine, “O Buddhismo é melhor compreendido como uma habilidade ou uma arte a ser treinada e aperfeiçoada e não como informação ou conhecimento a ser aprendido e acumulado.”

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Ideologias


P: O budismo pode tomar posições políticas ou ideológicas?

R: Creio que a questão aí está nas palavras " budismo" e no conceito de "grupos budistas". O budismo em si não é uma instituição e não se confunde com nenhuma das centenas de escolas existentes nem nos milhares quiçá milhões de grupos diferentes com suas próprias idéias. Grupos que se autodenominem budistas podem ter as mais diferentes posturas e cada budista também pode faze-lo, porém o budismo não pode por definição se envolver com proposições do mundo relativo, as pessoas budistas é que o fazem. Assim minha postura é me recusar a defender ou apoiar no grupo de prática as
discussões que envolvam posicionamentos políticos ou ideológicos. Mas evidentemente outros grupos podem resolver agir diferentemente, isto em nenhum momento deveria ser confundido com o budismo em si, o próprio Buda numerosas vezes recusou-se a sequer responder perguntas que continham tais armadilhas.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Ilusão e delusão


P: Qual a diferença entre ilusão e delusão?

R: São dois conceitos realmente diferentes, veja:

Ilusão: Você vê e sabe que é, ex: cinema é uma ilusão de ótica, você sabe como funciona (24 quadros por segundo etc...). Existe uma realidade subjacente da qual você tem conhecimento, você pode escapar dela por mero raciocínio.

Delusão: Você vê mas não consegue perceber a realidade subjacente. A delusão engana a experiência e impede qualquer outro raciocínio. Ex: Uma pessoa "vê" um fantasma, era um fogo de santelmo mas ela corre e se desespera, mesmo que se explique a pessoa não consegue se acalmar. A realidade que vemos é assim, mesmo que expliquemos que são nuvens de átomos, impermanentes, interdependentes, a ilusão nos toma completamente e não conseguimos nos livrar dela, é o caso do EU, você sabe que é construído, mas não adianta, ele está sempre tomando conta de você. Isto é delusão, é muito mais seriamente enganador.