sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O começo do fim das touradas


AFP

Enquanto se digladiam os defensores e opositores é inegável que um movimento mundial de consciência torna o fim dos espetáculos de tortura e morte uma tendência para a humanidade do futuro. A notícia é sobre o fim das touradas em Barcelona, capital da Catalunha.

"Os admiradores das touradas defendiam uma tradição cultural enquanto que os adversários reclamavam o fim da tortura contra os animais.

"As touradas são um espetáculo da tortura", afirmou o porta-voz do grupo verde Iniciativa Per Catalunya-Els Verds (ICV-EUIA), Francesc Pané. Para a organização AnimaNaturalis trata-se de um primeiro passo para a abolição das touradas em todo o mundo.

A atriz francesa Brigitte Bardot, famosa por sua defesa dos direitos dos animais, comemorou a decisão.

"É uma vitória da democracia sobre os lobbies taurinos. Uma vitória da dignidade sobre a crueldade. A tourada é de um sadismo incrível. Já não estamos nos jogos circenses e é necessário pôr um fim imediato a esta tortura animal", afirmou em um comunicado."

Fonte : O Estado de SP

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O lugar de descanso


JOKO: Sim. Não podemos nos aborrecer, a menos que nossa mente nos tenha removido do presente e levado para pensamentos irreais. Sempre que estamos contrariados estamos literalmente "de fora": deixamos algo de fora. Somos como um peixe fora d'água. Quando estamos no presente, plenamente conscientes, não conseguimos ter uma idéia do tipo: "Oh, essa vida é tão difícil. Tão sem sentido!". Se fazemos isso, deixamos
alguma coisa de fora. Só isso! Um bom aluno reconhece quando se distanciou e retorna à vivência imediata. Às vezes apenas balançamos a cabeça e restabelecemos a base de nossa vida, os alicerces da vivência. Desses alicerces brotam pensamentos, ações e uma criatividade perfeitamente adequados. Tudo isso nasce desse espaço da vivência, em que o sentidos simplesmente se encontram abertos.
Quando estava com dezesseis, dezessete anos eu gostava de tocar os corais de Bach no piano. Um que me agradava em especial era chamado "Em Teus Braços Eu Me Descanso". A tradução prossegue assim: "Os inimigos que me atacariam não conseguem encontrar-me aqui".
Embora seja da tradição cristã, em geral dualista, esse coral trata do estar presente e desperto. Existe um lugar de repouso em nossas vidas, um lugar onde devemos estar para podermos funcionar bem. Esse lugar de descanso - os braços de Deus, se quiserem chamá-lo assim - é simplesmente aqui e agora: ver, ouvir, tocar, sentir odores e sabores, sentir a vida como ela é.
Podemos até acrescentar "pensar" a essa lista, se entendemos o pensar como apenas o funcionamento natural e não como as reflexões do ego que se baseiam em medo e apego. Apenas pensar, no sentido funcional, inclui o pensamento abstrato, o
pensamento criativo, ou planejar o que temos para fazer hoje. Com excessiva freqüência, porém, acrescentamos pensamentos não funcionais, baseados no ego, que nos levam às dificuldades e nos retiram dos braços de Deus.»
Charlotte Joko Beck

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Reencarnação x manifestação cármica


Trechos de respostas acessáveis no site www.daissen.org.br em "perguntas" opção "reencarnação". Mais respostas podem ser lidas aqui
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Queremos que algo renasça porque queremos permanecer existindo. Isso é apenas mais um truque do ego. Só permanece o carma. Consciência individual é fenômeno de funcionamento da mente. Cessando seu funcionamento, cessa essa consciência.

Eventuais "lembranças" de vidas passadas, se existem, são manifestação da "consciência depósito" (arquetípica) que a humanidade partilha (chama-se "älaya" de "depósito" em sânscrito). Se elas parecem se concentrar em uma determinada manifestação, algumas linhas budistas reconhecem aquele ser como um "herdeiro" de um ser passado, mas que não se trata, em absoluto, da mesma pessoa. No Zen, não há a tradição de reconhecimento, a qual é mais praticada entre os tibetanos.

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Não sou um especialista no Budismo Tibetano, mas até onde sei os conceitos sobre 'o que renasce' são idênticos aos do Zen. Ou seja, este algo que permanece está ligado ao carma, mas não a um ego particular. Esse ponto é comum em todo o Budismo.

No Budismo Tibetano, os conceitos do bardo e de anatman (não alma permanente) convivem sem conflito. É como se a experiência do bardo fluísse até que um renascimento criasse um novo conjunto de agregados, uma continuação da vida anterior, porém com outros componentes, admitindo-se mesmo que várias pessoas diferentes fossem simultaneamente renascimentos de um mesmo carma de alguém passado.

"O uso da palavra reencarnação é um problema de tradução, na falta de um conceito que explique claramente o entendimento complexo do budismo usa-se um termo eivado de conotações vindas de outras fontes que dá a entender que um eu se perpetua ganhando um novo corpo, ora o conceito budista é que o carma se manifesta gerando um novo eu, semelhante ao anterior, mas não uma continuidade egóica, para isto seria necessário memória plena que ninguém carrega nitidamente."
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Numa imagem metafórica, é como perguntar por que uma onda de água, ao bater num rochedo, reflui para o mar com igual força. Isso ocorre porque um "quantum" de energia tende a se propagar, e se manifestar com a mesma força e mesmas características básicas do fenômeno que o antecedeu. Percebemos, assim, que o "eu", sendo um fenômeno temporário, uma construção aparente, não pode ser permanente, e,
portanto, não pode se manifestar novamente como o mesmo eu. Apesar disso, sua energia acumulada, sua onda "cármica", esta sim, manifestar-se-á de novo, com características semelhantes. Logo, não existe "um mesmo ser" ou "um eu" para reeencarnar. Prefiro a palavra "manifestação" a "renascimento", o "re" leva à crença em um nascimento que se repete, do mesmo indivíduo, tese do filósofo Senika que Buda refutou.

Uma imagem normalmente usada no Budismo: uma semente de manga produz uma mangueira que produzirá mangas do mesmo tipo (Nagasena responde assim ao rei Milinda). Não são as mesmas mangas, mas são uma continuidade semelhante, determinada pelas características anteriores. Nesse entendimento podemos dizer que um "eu" particular não renasce, pois sua existência é uma delusão. Porém, a carga cármica de cada ser manifesta-se novamente, mantendo sua força e características anteriores. No Zen Budismo, praticamos para alterar o carma e, até mesmo, a extingui-lo, voltando ao seio de nossa natureza última, não distinta nem perturbada por marcas particulares, nem pela crença em um "eu" separado, que é a ignorância fundamental.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Palestra na SVB em Brasília


A Sociedade Vegetariana Brasileira, unidade de Brasília, promoveu uma palestra no Jardim Botânico, sobre Zen Budismo e suas tradições alimentares, em especial a cozinha vegetariana nos mosteiros. A Monja Noviça da Comunidade do Guará, Sodô San, esteve presente, e fomos presenteados com Bonsais, na foto todos ao lado de uma estátua de S. Francisco na entrada do Jardim.
Mais fotos de Amanda podem ser vistas aqui

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Reencarnação e budismo


A definição da “Realidade Suprema” é uma noção que geralmente tende a separar o Cristianismo do Buddhismo. A questão é menos de contradições intransponíveis que de compreensão mais profunda dos termos envolvidos. Outra das dificuldades entre cristãos e buddhistas tem sido o conceito de reencarnação.
Infelizmente, isto que parece separar estas duas grandes religiões, não passa de um grande erro, pois, ao contrário do que muitos pensam, o Buddhismo não tem uma doutrina reencarnacionista, pelo menos não quando interpretado corretamente. A reencarnação no Buddhismo, quando é mencionada por alguns, é apenas uma crença popular e exterior, apropriada para aqueles que só conseguem fazer o bem se creditando em um proveito próprio. “Eu faço isto para receber os frutos amanhã ou em outra vida”. É uma crença popular, sustentada seja por orientais que desconhecem qualquer coisa mais profunda de sua tradição, seja por ocidentais iniciantes. É semelhante àqueles cristãos que acreditam que Deus é, realmente, um homem velho e barbudo sentado em um trono de madeira pousado nas nuvens. A idéia ocidental da reencarnação, ou seja, a de que uma alma ou “espírito” imutável ocupa diferentes corpos humanos indefinidamente, nem mesmo existe no Buddhismo (lembremos seu ensinamento fundamental sobre o não-eu), sendo fruto das concepções espíritas surgidas no fim do século XIX. O que o Buddhismo de fato ensina é o renascimento, algo por completo diferente da reencarnação tal como é concebida no Ocidente. No processo de passagem do Buddhismo para o Ocidente entretanto os tradutores e intérpretes ocidentais começaram a fazer uso de suas próprias concepções influenciadas pelo espiritismo para interpretar doutrinas buddhistas, o que teve como resultado um engano que permanece até hoje na mente de alguns que estudam o Buddhismo superficialmente e isto principalmente no Brasil. Como diz o monge Khantipålo: “Uma sucessão de vidas com uma alma encarnando em uma série de corpos é freqüentemente chamada de reencarnação. No Buddhismo, o ensinamento referente a este tema é fundamentalmente diferente... Não há re-encarnação no Buddhismo pois não há entidade espiritual imutável; em termos últimos, nenhuma alma pode ser encontrada que possa se reencarnar. O Buddhismo não constrói a dicotomia entre um corpo perecível de um lado e uma alma eterna de outro” (Buddhism Explained. Bangkok: Mahamakut Rajavidyalaya Press, 1986). Renascimento significa no contexto buddhista a transmissão ou influência das ações intencionais nos seus frutos. Toda ação intencional, para o bem ou para o mal, gera conseqüências. Diz-se, assim, que a ação “renasce” nos seus frutos, ou seja, há uma interdependência entre ações e reações.

O que o Buddhismo ensina é que a vida é una e uma só, tomando formas diferentes, mas estreitamente dependentes e ligadas entre si. É uma só vida que anima tudo. Daí “vida” ser na Bíblia traduzida muitas vezes do latim anima que significa “alma”. Esta única vida ou “alma” assume várias formas, todas elas impermanentes e transitórias, como tudo o que é criado. Estas formas nascem, morrem, renascem, tornam a nascer e assim por diante. Uma semente também nasce, se desenvolve, se transforma em árvore, que por sua vez morre, mas gera muitas sementes. De certa forma, podemos falar que aquela árvore “renasce” na semente.Entretanto, nem a árvore e sua semente são a mesma, nem são radicalmente diferentes. Se falamos que são iguais, então, caímos no reencarnacionismo. É o mesmo que dizer que a árvore se “reencarnou” na semente! Que ela é o mesmo “ser” em um outro “corpo”. Um completo absurdo! Mas falar que são completamente diferentes entre si é cair no que podemos chamar de ceticismo, agnosticismo ou casuísmo: a concepção que vê tudo como isolado e independente. É a concepção de que uma vez que se morre é o fim e pronto! Ou ainda significa falar que tudo acontece por acaso sem nenhuma ligação anterior. O Buddhismo poderia falar, pelo contrário, que a “ressurreição” ocorre quando estas “porções de vida” compreendem que não são isoladas do todo, mas são expressões de uma única vida. É a Libertação da Ilusão, a Iluminação, o encontro com o Absoluto. Isto tem a ver com responsabilidade universal por todas as coisas. O que fazemos aqui se reflete pelos dez cantos do universo. O pecado (ignorância) de um, mancha todo o resto, como uma gota de tinta jogada em uma bacia de água. Mas também a Iluminação de um salva todo o universo, como uma lâmpada que, quando acesa, ilumina todo o quarto escuro. Desta forma, o Buddhismo terá uma preocupação especial para com o sofrimento. Quando os primeiros ocidentais e cristãos chegaram à Ásia, ficaram surpresos de ver, dentro de templos buddhistas, pinturas e quadros com uma figura masculina e outra feminina se abraçando. Tomaram isto como profanação e idolatria do sexo. Pena que não se lembraram de perguntar aos orientais e aos seus monges o que isto significava. Estas duas figuras se abraçando simbolizam a Sabedoria e o Método.

A Sabedoria é a primeira resposta do Buddhismo para o sofrimento nos dias de hoje. É necessário que o homem cultive um maior entendimento de quem é ele, o que é o Real, o que é o mundo em torno. O nível de compreensão que temos de tudo isto é muito superficial. Somente agora, por exemplo, é que o homem moderno, em escala global, está percebendo que tudo está interligado, e isto devido à tremenda crise ecológica em que vivemos. É necessário aprofundarmos nosso entendimento da realidade e isto inevitavelmente colaborará para a diminuição do sofrimento. A segunda resposta vem através do Método. Isto significa possuir formas efetivas de ação. Ter técnicas e ensinamentos que nos levem a compreender o sofrimento e a dor do mundo e atuar convenientemente para extirpar suas causas. No Buddhismo o método mais supremo é a Compaixão. Somente ela poderá fazer com que quebremos a barreira de nossos egoísmos, e num movimento para frente, possamos ir de encontro às necessidades do próximo, com os corações abertos. É porque tudo está interligado que nossa responsabilidade aumenta. Desfrutamos as ações sábias e as ações que rebaixam a espécie humana. De certo modo, tais ações “renascem” em nós, pois sofremos todas as suas conseqüências.

COMPREENDENDO MELHOR O ENSINAMENTO DO BUDDHA
(RICARDO SASAKI, © 1995

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Como agir de forma compassiva?


P: Tenho a sensação de que ao enxergarmos que o sofrimento de uma
pessoa é ilusório, a única atitude sensata seria tentar libertá-la desta
ilusão, mas para uma mente que se acostumou com suas próprias
prisões, isso parece ser mais ofensivo que o próprio sofrimento.
É como se tentar derrubar a parede da cela fosse pior do que estar
aprisionado.

Como AGIR de forma compassiva?

R:É simples e não é. Há que agir de acordo com a circunstância, no caso de ser possível somente diminuir o sofrimento agir assim, no caso de ser possível ampliar a consciência fazer isto, no caso de ser possível anular a distância entre sujeito e objeto levando a identidade do relativo e do absoluto ensinar isto, porém neste último ponto estamos falando de um estágio iluminado.

O momento presente


A civilização ocidental empresta tanta ênfase à idéia da esperança que acabamos sacrificando o momento presente. A esperança é para o futuro. Ela não pode nos ajudar a descobrir a alegria, a paz e a luz no momento presente. Muitas religiões se baseiam no conceito de esperança, e essa recomendação no sentido de evitá-la pode provocar uma forte reação. Esse choque pode, no entanto, produzir algo importante. Não estou dizendo que não devemos ter esperança, mas que a esperança não basta. Ela pode criar um obstáculo pra você e, se estiver imerso na energia da esperança, não conseguirá voltar por inteiro para o momento presente. O que seria uma lástima. Se você canalizar esta energia para uma conscientização do que está ocorrendo, no momento presente, será capaz de romper com tudo e descobrir a alegria e a paz exatamente no momento presente, dentro de si mesmo e em tudo à sua volta.


THICH NHAT HANH (mestre zen vitnamita)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Fala do Dalai Lama em SP


TRANSCRIÇÃO DA FALA DE S.S. O DALAI LAMA, PROFERIDA APÓS O ENCERRAMENTO DE SUAS ATIVIDADES NO BRASIL, EM SETEMBRO DE 2011.

“As atividades todas transcorreram de um modo suave, sem percalços, e isso se deveu ao trabalho voluntário de vocês, que permitiu que tudo acontecesse desta forma tão suave, e eu gostaria manifestar meu agradecimento a vocês todos.
Todo trabalho voluntário volta... ele tem um sentido especial.
Que vocês possam acumular algum mérito.
E agora é importante que vocês dediquem este mérito para o bem estar dos seres em seu número infinito.

E para aquelas pessoas que seguem o Budismo Tibetano, como eu falei a pouco na palestra, que é um Budismo que vem da tradição de Nalanda, segundo essa tradição, o conhecimento e a prática devem andar de mãos dadas.

Então, Vasubandhu, que era o irmão mais novo de Asanga, ele dizia que no Budismo duas coisas são importantes: o estudo e a prática. Ele falava: é a única forma, é o único caminho.

Então, a construção de um templo, de uma estátua não é o mais importante. O mais importante é o que você constrói dentro de você.
Nós que somos seguidores do Buda, para nós não basta só a fé, nós temos que trazer estes conhecimentos, estes ensinamentos para a nossa vida.
Então, um budista deveria se conduzir na vida de uma forma um pouco diferente das outras pessoas.

É importante que vocês estudem mais e que também meditem mais. Essas duas coisas devem andar juntas.
E aquelas pessoas que usam as vestes monásticas devem ser exemplo para os outros.

Então, agora, fotos!”

(S.S. o Dalai Lama, num dos salões do WTC em São Paulo,

na tarde de 17 de setembro de 2011)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Comunicado do CBB sobre o Dharmanet


Devido, infelizmente, a dificuldades particulares dos idealizadores do Dharmanet, o site encontra-se extinto por tempo indeterminado. O material informativo antigo não se encontra ativo em outras fontes, e deverá sofrer revisão, correção e reorganização após as quais ele será disponibilizado no site oficial do CBB (ou no endereço reativado do Dharmanet) assim que possível.

Questões pontuais sobre o buddhismo poderão ser sanadas através do e-mail de contato do Colegiado Buddhista Brasileiro.


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No Dharma,
Diretoria do Colegiado Buddhista Brasileiro
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Paz - Compaixão - Serenidade

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Site Dharmanet suspende suas atividades


O site Dharmanet suspendeu suas atividades depois de muitos anos de serviços inestimáveis ao budismo brasileiro. O site tinha referências e textos das diferentes escolas budistas e listava os locais de prática ligados a organizações tradicionais.

domingo, 18 de setembro de 2011

Palestra em Brasília


Data: Sexta-feira 19h
Local: Sede da Comunidad, QI 04, Conjunto R, Casa 34, Guará I, Brasília, DF.
Entrada Franca.




Programação:
19h - Chegada e Instruções.
19h30 - Zazen 40min
20h15 - Palestra
21h - Confraternização

No Dharma,
Gasshô,
Comunidade ZenBuddhista ZenPlanalto
http://zenplanalto.blogspot.com
comunidadezenplanalto@yahoo.com.br
(61)9641.1818

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Hinayana, Mahayana (cont)

Observações importantes do Prof Ricardo Sasaki sobre o tema:

" Permita-me alguns comentarios. Como vc percebeu, ambos os termos, hinayana e mahayana, surgiram numa epoca de disputas e tensoes ao norte da India, um periodo, como se pode ver pelos termos usados, predominado pelo orgulho e arrogancia (mana) com escolas acusando outras de inferiores, menores, etc. Hina, literalmente significa vil e mesquinho, e nao simplesmente `menor` como mais tarde mahayanistas tentaram suavisar.

O Theravada por sua vez nunca fez parte da classificacao de Hinayana. Isso eh um erro historico cometido apenas recentemente. Na historia passada, quando da ocasiao do surgimento dos termos hinayana e mahayana, as tais escolas hinayanas se referiam ao sarvastivada e ao sautrantika, principalmente. O Theravada de hoje se desenvolveu no Sri Lanka e distante do local onde tais conflitos surgiram.

Quanto a sua pergunta sobre um termo para o mahayana que nao remetesse a essa dicotomia, isso eh algo dificil pois, ao contrario do que muitos pensam, o Mahayana nao eh uma escola, da forma como theravada, sarvastivada, mahasanghika, etc, o eram, mas sim um movimento filosofico com caracteristicas especificas, caracteristicas essas que as escolas que surgiram posteriormente (como o zen, terra pura, etc) adotaram com maior ou menor grau e quantidade. Em minha opiniao ha tres caracteristicas fundamentais do Mahayana enquanto movimento: a predominancia dos ensinamentos dos mestres em relacao ao ensinamento direto do Buddha, a exclusividade do ideal do Bodhisattva e o uso de escrituras claramente posteriores (pos-canonicas).

1. As escolas que se colocam como dentro do Movimento Mahayana fazem uso, em maior ou menor grau de escrituras posteriores, e o material canonico antigo, seja escrito em pali ou em sanscrito hibrido, faz parte de seu canon apenas parcialmente e a titulo de obras historicas sem relevancia pratica. Tais obras "mahayanas" sao um desenvolvimento de ensinamentos contidos no canon antigo, sao posteriores e acrescentadas ou enfatizadas. Segundo essa caracteristica poderiamos chamar o Mahayana com o nome de Buddhismo Desenvolvido, Expandido ou Pós-canonico.

2. a exclusividade do ideal do Bodhisattva eh uma das marcas do Movimento Mahayana. Nas escolas antigas, pre-Mahayanas, tambem ha um ideal do Bodhisattva em maior ou menor grau, mas ele eh apresentado conjuntamente com outros ideais. Eh a marca do Mahayana dizer que ele eh o unico que deve ser seguido. Segundo essa caracteristica poderiamos chamar o Mahayana de Bodhisattvayana, enfatizando assim sua exclusividade na enfase deste ideal. Esse foi um nome que foi usado historicamente para defini-lo.

3. a preponderancia do ensinamento dos mestres sobre os ensinamentos do canon (ou seja, mais diretamente do Buddha), colocam as escolas mahayanas como um Acharyavada, ou seja, suas escolas surgem ao redor de um mestre e sua obra especificos. Esse termo tambem ja foi usado historicamente.

Para mim eh fundamental que uma pessoa que se dedique a entender historicamente o Buddhismo tenha essas tres caracteristicas em mente quando tenta entender o Movimento Mahayana surgido num periodo de grande complexidade. Espero que sejam uteis para suas indagacoes.

Prof.Ricardo Sasaki

Hinayana, Mahayana


"Pelo que sei através de mais de 50 anos de estudos de budismo, não existe nenhum termo alternativo para designar o Mahayana, a não ser, talvez, a expressão Bodhisattva-yana )Veículo dos Bodhisattvas) e a expressão Ekayana (Veículo Uno) que, entretanto, não são exatamente sinônimos de Mahayana, possuem um sentido ligeiramente diferente.Volto a isso mais adiante.
Quanto a questão do Hinayana/Theravada, a questão é bem mais complexa do que parece à primeira vista. Vejamos:

1.Realmente o termo Hinayana tem um sentido um tanto pejorativo e deve ser evitado.

2.Entretanto, Hinayana não é exatamente sinônimo de Theravada. A expressão Hinayana abrange, além do Theravada, uma série de escolas há muitos séculos desaparecidas, como Sarvastivada, Sautrantika e outras.

3.O que foi chamado de Hinayana é, na verdade, uma síntese de dois caminhos ou Veículos, o Veículo dos Pratyeka-buddhas (os que se iluminam sozinhos) e o Veículo dos Sravakas ou Auditores, isto é, os discípulos que se iluminam ouvindo as palavras do Buda. A esses dois Veículos se contrapõe um Terceiro Veículo, o dos Bodhisattvas, isto é, o caminho daqueles que por sua Sabedoria poderiam ingressar no Nirvana, mas que por sua Compaixão adiam indefinidamente esse ingresso para se dedicarem à salvação de todos os seres viventes. O Caminho dos Bodhisattvas é o alicerce do Mahayana, mas este último, evidentemente, é muito mais do que isso, pois compreende as Escolas filosóficas do Vazio e da Consciência e outros elementos. Já o Ekayana ou Veículo Uno, exposto no Sutra do Lótus da Lei Excelente (Saddharmapundarika, Hokkekyô) é uma síntese que engloba e transcende os três Veículos supracitados.

4.Uma solução para evitar o termo Hinayana seria, talvez, denominar os dois primeiros Veículos de Veículos Menores. Outra solução seria explicitar os nomes desse dois Veículos, sem adjetivá-los: Veículo dos Autoiluminados, Veículo dos Auditores.

5.Insisto ainda em lembrar que é historicamente errado considerar o Theravada uma forma arcaica de Budismo anterior ao Mahayana. Ainda que o Theravada conserve uma série de textos que remontam à fase mais antiga do Budismo, ele foi evoluindo através dos séculos e muitos dos textos hoje englobados no Cânone Pali são posteriores aos textos Mahayana mais antigos.

Como vê, a História do Budismo é bem mais complicada do que possa parecer à primeira vista.

Gasshô,

Shaku Riman"
(e mail do Prof. Ricardo M Gonçalves em resposta a indagação de um praticante)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Visita do Dalai Lama


Carta da Sra. Lia Diskin, organizadora da viagem de S.S. o Dalai Lama ao Brasil aos colaboradores do Colegiado Buddhista Brasileiro do qual é membro.

Mui estimados e respeitados,
Estamos a poucas horas da chegada de Sua Santidade o Dalai Lama ao Brasil. Já se passaram 10 meses desde a nossa primeira reunião preparatória para esta visita que tão esperançosamente aguardamos. Trabalhamos juntos ao longo de todo esse tempo, nos conhecemos mutuamente e aproximamos sonhos que buscam um mesmo destino – criar as condições necessárias para minimizar o sofrimento no mundo. Quero, em nome da Associação Palas Athena e no meu próprio, agradecer o calor, a dedicação, a entrega e entusiasmo dos mais de 200 colaboradores diretos que estão envolvidos na concretização desta visita, dos quais 92 são voluntários e quase uma dezena em tempo integral. Os que acompanharam o passo a passo puderam verificar o poder mobilizador de Sua Santidade, os sentimentos altruístas que inspira e o convite renovado para exercermos a nossa humanidade. Sinto-me feliz e altamente gratificada pela rede auspiciosa que tecemos juntos, pela colaboração recebida, pelos incentivos materializados em flores, doces, livros e mensagens de afeto – tudo isso justifica amplamente o esforço empenhado. Que ele frutifique para o bem de todos os seres!
Em júbilo,
Lia DiskinAssociação Palas Athenawww.palasathena.org.br

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

As coisas mudam


"As coisas mudam. Para as pessoas em geral,isso traz muito desencanto. Não se pode confiar em coisa alguma. Não se pode ter nada. E você verá o que não gostaria de ver. Encontrará alguém de quem não gostará. Se quiser fazer algo, poderá descobrir que é impossível. Desse modo, se sentirá desanimado pelo modo como as coisas se encaminham. Como budista, você está mudando o fundamento de sua vida. As coisas mudam é o motivo pelo qual você sofre nesse mundo e se sente desencantado. Ao mudar sua compreensão e seu modo de vida, poderá apreciar completamente sua nova vida em cada momento. A temporalidade das coisas é o motivo pelo qual se aprecia a vida. Ao se apreciar desse jeito, sua vida se torna estável e cheia de significado.
Portanto, a questão é mudar a sua compreensão de vida e praticar com a compreensão correta."

"O único caminho é apreciar sua vida.(...) É por isso que praticamos o zazen. A coisa mais importante é ser capaz de apreciar a vida, sem ser enganado pelas coisas."
Fonte:Suzuki, Shuryu. Nem Sempre é Assim: Praticando o Verdadeiro Espírito do Zen. São Paulo: Religare, 2003.

domingo, 11 de setembro de 2011

Encontrar o sofrimento



Às vezes a palavra zen é muito mal usada. Quando dizemos, esta pessoa é zen. Não. Zen também é encontrar a infelicidade, o sofrimento, então devemos andar dentro do sofrimento completamente. Saber sofrer também é a prática do zen. Entender a infelicidade completamente, percebê-la inteiramente. O pensamento que vem com ela, o sofrimento que vem com ela, a angústia que vem com ela também.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Epidemia de doenças mentais


A epidemia de doença mental
Por que cresce assombrosamente o número de pessoas com transtornos mentais e de pacientes tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos

por Marcia Angell (Revista Piauí 59)
(Extratos)

Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.

No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.

Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.

As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.

O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental.Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.

A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.

O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.


O que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?

Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.

Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoativas não criam problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela. Mas, apesar de suas diferenças, os três estão de acordo sobre algumas questões importantes.

Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.

Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois que os remédios psicotrópicos foram introduzidos no mercado, na década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina), lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato), vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. Em 1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um “energizador psíquico” para tratar a depressão.

Desse modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram consideradas as três principais categorias de doença mental – ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas de remédios destinados ao combate de infecções, e se descobriu por acaso que alteravam o estado mental.

No início, ninguém tinha ideia de como funcionavam. Elas simplesmente embotavam sintomas mentais perturbadores. Durante a década seguinte, pesquisadores descobriram que essas drogas afetavam os níveis de certas substâncias químicas no cérebro.

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Quando se descobriu que as drogas psicoativas afetam os níveis de neurotransmissores, surgiu a teoria de que a causa da doença mental é uma anormalidade na concentração cerebral desses elementos químicos, a qual é combatida pelo medicamento apropriado.

Por exemplo: como o Thorazine diminui os níveis de dopamina no cérebro, postulou-se que psicoses como a esquizofrenia são causadas ​​por excesso de dopamina. Ou então: tendo em vista que alguns antidepressivos aumentam os níveis do neurotransmissor chamado serotonina, defendeu-se que a depressão é causada pela escassez de serotonina. Antidepressivos como o Prozac ou o Celexa impedem a reabsorção de serotonina pelos neurônios que a liberam, e assim ela permanece mais nas sinapses e ativa outros neurônios. Desse modo, em vez de desenvolver um medicamento para tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se adequar a um medicamento.

Trata-se de uma grande pirueta lógica, como apontam os três autores. Era perfeitamente possível que as drogas que afetam os níveis dos neurotransmissores pudessem aliviar os sintomas, mesmo que os neurotransmissores não tivessem nada a ver com a doença. Como escreve Carlat: “Por essa mesma lógica, se poderia argumentar que a causa de todos os estados de dor é uma deficiência de opiáceos, uma vez que analgésicos narcóticos ativam os receptores de opiáceos do cérebro.” Ou, do mesmo modo, se poderia dizer que as febres são causadas pela escassez de aspirina.

Mas o principal problema com essa teoria é que, após décadas tentando prová-la, os pesquisadores ainda estão de mãos vazias. Os três autores documentam o fracasso dos cientistas para encontrar boas provas a seu favor. Antes do tratamento, a função dos neurotransmissores parece ser normal nas pessoas com doença mental. Nas palavras de Whitaker:

Antes do tratamento, os pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio químico”. No entanto, depois que uma pessoa passa a tomar medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma via neuronal, seu cérebro começa a funcionar... anormalmente.

Carlat refere-se à teoria do desequilíbrio químico como um “mito” (que ele chama de “conveniente” porque reduziria o estigma da doença mental). E Kirsch,cujo livro centra-se na depressão, resume a questão assim: “Parece fora de dúvida que o conceito tradicional de considerar a depressão como um desequilíbrio químico no cérebro está simplesmente errado.” (O motivo da persistência dessa teoria, apesar da falta de provas, é um tema que tratarei adiante.)

Os remédios funcionam? Afinal de contas, independentemente da teoria, essa é a questão prática. Em seu livro seco e extremamente cativante, The Emperor’s New Drugs [As Novas Drogas do Imperador], Kirsch descreve os seus quinze anos de pesquisa científica para responder a essa pergunta, no que diz respeito aos antidepressivos.

Quando começou o trabalho em 1995, seu principal interesse eram os efeitos de placebos. Para estudá-los, ele e um colega revisaram 38 ensaios clínicos que comparavam vários tratamentos da depressão com placebos, ou comparavam a psicoterapia com nenhum tratamento. A maioria dessas experiências durava de seis a oito semanas, e durante esse período os pacientes tendiam a melhorar um pouco, mesmo se não tivessem nenhum tratamento.

Mas Kirsch descobriu que os placebos eram três vezes mais eficazes do que a ausência de tratamento. Isso não o surpreendeu. O que o surpreendeu mesmo foi que os antidepressivos foram apenas marginalmente mais úteis do que os placebos: 75% dos placebos foram tão eficazes quanto os antidepressivos. Kirsch resolveu então repetir o estudo, dessa vez com a análise de um conjunto de dados mais completo e padronizado.

Os dados que ele usou foram obtidos da Food and Drug Administration, a FDA [o órgão público americano encarregado do licenciamento e controle de medicamentos]. Quando buscam a aprovação da FDA para comercializar um novo remédio, os laboratórios farmacêuticos devem apresentar à agência todos os testes clínicos que patrocinaram. Os testes são geralmente duplo-cego e controlados com placebo. Ou seja: os pacientes participantes recebem aleatoriamente a droga ou o placebo, e nem eles nem os seus médicos sabem o que receberam.

Os pacientes são informados de que receberão ou um medicamento ativo ou um placebo. E também são avisados dos efeitos colaterais que podem ocorrer. Se dois testes comprovam que o medicamento é mais eficaz do que o placebo, ele é geralmente aprovado. Mas os laboratórios podem patrocinar quantos testes quiserem, e a maioria deles pode dar negativo – isto é, não mostrar a eficácia do remédio. Tudo o que eles precisam é de dois testes com resultados positivos. (Os resultados dos testes de um mesmo medicamento podem variar por muitas razões, entre elas a forma como o ensaio foi concebido e realizado, seu tamanho e os tipos de pacientes pesquisados.)

Por razões óbvias, as indústrias farmacêuticas fazem questão de que seus testes positivos sejam publicados em revistas médicas, e os médicos fiquem sabendo deles. Já os testes negativos ficam nas gavetas da FDA, que os considera propriedade privada e, portanto, confidenciais. Essa prática distorce a literatura médica, o ensino da medicina e as decisões de tratamento.


Kirsch e seus colegas usaram a Lei de Liberdade de Informação para obter as revisões da FDA de todos os testes clínicos controlados por placebo, positivos ou negativos, submetidos para a aprovação dos seis antidepressivos mais utilizados, aprovados entre 1987 e 1999: Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e Effexor.

Ao todo, havia 42 testes das seis drogas. A maioria deles era negativo. No total, os placebos eram 82% tão eficazes quanto os medicamentos, tal como medido pela Escala de Depressão de Hamilton, uma classificação dos sintomas de depressão amplamente utilizada. A diferença média entre remédio e placebo era de apenas 1,8 ponto na Escala, uma diferença que, embora estatisticamente significativa, era insignificante do ponto de vista clínico. Os resultados foram quase os mesmos para as seis drogas: todos igualmente inexpressivos. No entanto, como os estudos positivos foram amplamente divulgados, enquanto os negativos eram escondidos, o público e os médicos passaram a acreditar que esses medicamentos antidepressivos eram altamente eficazes.

Kirsch ficou impressionado com outro achado inesperado. Em seu estudo anterior, e em trabalhos de outros, observara que até mesmo tratamentos com substâncias que não eram consideradas antidepressivas – como hormônio sintético da tireoide, opiáceos, sedativos, estimulantes e algumas ervas medicinais – eram tão eficazes quanto os antidepressivos para aliviar os sintomas da depressão. Kirsch escreve: “Quando administrados como antidepressivos, remédios que aumentam, diminuem ou não têm nenhuma influência sobre a serotonina aliviam a depressão mais ou menos no mesmo grau.”



O que todos esses medicamentos “eficazes” tinham em comum era que produziam efeitos colaterais, sobre os quais os pacientes participantes haviam sido informados de que poderiam ocorrer.

Diante da descoberta de que quase qualquer comprimido com efeitos colaterais era ligeiramente mais eficaz no tratamento da depressão do que um placebo, Kirsch especulou que a presença de efeitos colaterais em indivíduos que recebem medicamentos lhes permitia adivinhar que recebiam tratamento ativo – e isso foi corroborado por entrevistas com pacientes e médicos –, o que os tornava mais propensos a relatar uma melhora. Ele sugere que a razão pela qual os antidepressivos parecem funcionar melhor no alívio de depressão grave do que em casos menos graves é que os pacientes com sintomas graves provavelmente tomam doses mais elevadas e, portanto, sofrem mais efeitos colaterais.



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Kirsch registrou outras descobertas estranhas em testes clínicos de antidepressivos, entre elas o fato de que não há nenhuma curva de dose-resposta, ou seja, altas doses não funcionavam melhor do que as baixas, o que é extremamente improvável para medicamentos eficazes.

“Ao se juntar tudo isso”, escreve Kirsch,“chega-se à conclusão de que a diferença relativamente pequena entre medicamentos e placebos pode não ser um efeito verdadeiro do remédio. Em vez disso, pode ser um efeito placebo acentuado, produzido pelo fato de que alguns pacientes passaram a perceber que recebiam medicamentos ou placebos. Se este for o caso, então não há nenhum efeito antidepressivo dos medicamentos. Em vez de compararmos placebo com remédio, estávamos comparando placebos ‘normais’ com placebos ‘extrafortes’.”

Trata-se de uma conclusão surpreendente, que desafia a opinião médica, mas Kirsch chega a ela de uma forma cuidadosa e lógica. Psiquiatras que usam antidepressivos – e isso significa a maioria deles – e pacientes que os tomam talvez insistam que sabem por experiência clínica que os medicamentos funcionam.

Mas casos individuais são uma forma traiçoeira de avaliar tratamentos médicos, pois estão sujeitos a distorções. Eles podem sugerir hipóteses a serem estudadas, mas não podem prová-las. É por isso que o desenvolvimento do teste clínico duplo-cego, aleatório e controlado com placebo, foi um avanço tão importante na ciência médica, em meados do século passado. Histórias sobre sanguessugas, megadoses de vitamina cou vários outros tratamentos populares não suportariam o escrutínio de testes bem planejados. Kirsch é um defensor devotado do método científico e sua voz, portanto, traz objetividade a um tema muitas vezes influenciado por subjetividade, emoções ou, como veremos, interesse pessoal.



O livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma Epidemia], é mais amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão. Enquanto Kirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as patologias tratadas:

O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente desde 1955 e durante as duas últimas décadas, período em que a prescrição de medicamentos psiquiátricos explodiu e o número de adultos e crianças incapacitados por doença mental aumentou numa taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia, embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas poderia estar alimentando, de alguma maneira imprevista, essa praga dos tempos modernos?

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Se as drogas psicoativas causam danos, como afirma Whitaker, qual é o seu mecanismo? A resposta, ele acredita, encontra-se em seus efeitos sobre os neurotransmissores. É bem sabido que as drogas psicoativas perturbam os neurotransmissores, mesmo que essa não seja a causa primeira da doença.

Whitaker descreve uma cadeia de efeitos. Quando, por exemplo, um antidepressivo como o Celexa aumenta os níveis de serotonina nas sinapses, ele estimula mudanças compensatórias por meio de um processo chamado feedback negativo. Em reação aos altos níveis de serotonina, os neurônios que a secretam liberam menos dela, e os neurônios pós-sinápticos tornam-se insensíveis a ela. Na verdade, o cérebro está tentando anular os efeitos da droga. O mesmo vale para os medicamentos que bloqueiam neurotransmissores, exceto no sentido inverso.

A maioria dos antipsicóticos, por exemplo, bloqueia a dopamina, mas os neurônios pré-sinápticos compensam isso liberando mais dopamina, e os neurônios pós-sinápticos a aceitam com mais avidez.

As consequências do uso prolongado de drogas psicoativas, nas palavras de Steve Hyman, até recentemente reitor da Universidade de Harvard, são “alterações substanciais e de longa duração na função neural”.

Depois de várias semanas de drogas psicoativas, os esforços de compensação do cérebro começam a falhar e surgem efeitos colaterais que refletem o mecanismo de ação dos medicamentos. Antipsicóticos causam efeitos secundários que se assemelham ao mal de Parkinson, por causa do esgotamento de dopamina (que também se esgota no Parkinson). À medida que surgem efeitos colaterais, eles são tratados por outros medicamentos, e muitos pacientes acabam tomando um coquetel de drogas psicoativas, prescrito para um coquetel de diagnósticos. Os episódios de mania causada por antidepressivos podem levar a um novo diagnóstico de “transtorno bipolar” e ao tratamento com um “estabilizador de humor”, como Depokote (anticonvulsivo), acompanhado de uma das novas drogas antipsicóticas. E assim por diante.

A respeitada pesquisadora Nancy Andreasen e seus colegas publicaram indícios de que o uso de antipsicóticos está associado ao encolhimento do cérebro, e que o efeito está diretamente relacionado à dose e à duração do tratamento. Como Andreasen explicou ao New York Times: “O córtex pré-frontal não obtém o que precisa e vai sendo fechado pelos medicamentos. Isso reduz os sintomas psicóticos. E faz também com que o córtex pré-frontal se atrofie lentamente.”

Largar os remédios é extremamente difícil, segundo Whitaker, porque quando eles são retirados, os mecanismos compensatórios ficam sem oposição. Quando se retira o Celexa, os níveis de serotonina caem bruscamente porque os neurônios pré-sinápticos não estão liberando quantidades normais. Da mesma forma, quando se suspende um antipsicótico, os níveis de dopamina podem disparar.Os sintomas produzidos pela retirada de drogas psicoativas são confundidos com recaídas da doença original, o que pode levar psiquiatras a retomar o tratamento com remédios, talvez em doses mais elevadas.

Whitaker está indignado com o que considera uma epidemia iatrogênica (isto é, introduzida inadvertidamente pelos médicos) de disfunção cerebral, especialmente a causada pelo uso generalizado dos novos antipsicóticos, como o Zyprexa, que provoca graves efeitos colaterais. Eis o que ele chama de “experimento de pensamento rápido”:

Imagine que aparece de repente um vírus que faz com que as pessoas durmam doze, catorze horas por dia. As pessoas infectadas se movimentam devagar e parecem emocionalmente desligadas. Muitas ganham quantidades imensas de peso – 10, 20 e até 50 quilos. Os seus níveis de açúcar no sangue disparam, assim como os de colesterol.

Vários dos atingidos pela doença misteriosa – entre eles, crianças e adolescentes – se tornam diabéticos. O governo federal dá centenas de milhões de dólares aos cientistas para decifrar o funcionamento do vírus, e eles relatam que ele bloqueia uma multidão de receptores no cérebro. Enquanto isso, exames de ressonância magnética descobrem que, ao longo de vários anos, o vírus encolhe o córtex cerebral, e esta diminuição está ligada ao declínio cognitivo. O público aterrorizado clama por uma cura.

Ora, essa doença está, de fato, atingindo milhões de crianças e adultos. Acabamos de descrever os efeitos do antipsicótico Zyprexa, um dos mais vendidos do laboratório Eli Lilly.



Leon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria americana passou,no final do século XX, de uma fase “descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que, antes das drogas psicoativas, os psiquiatras tinham pouco interesse por neurotransmissores ou outros aspectos físicos do cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a doença mental tinha suas raízes em conflitos inconscientes, geralmente com origem na infância, que afetavam a mente como se ela fosse separada do cérebro.



Com a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro. Os psiquiatras começaram a se referir a si mesmos como psicofarmacologistas, e se interessaram cada vez menos pelas histórias de vida dos pacientes.

A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas, tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo biológico de doença mental, Eisenberg veio a se tornar um crítico do uso indiscriminado de drogas psicoativas, impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.

Quando as drogas psicoativas surgiram, houve um período de otimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o otimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de Thomas Szasz e o filme Um Estranho no Ninho.

Havia também a concorrência crescente de psicólogos e terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros se agarraram ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Ademais, dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie de parentes pobres: mesmo com suas novas drogas, eram vistos como menos científicos do que os outros especialistas, e sua renda era geralmente mais baixa.

No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o diretor médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou uma campanha maciça de relações públicas para fazer exatamente isso.

A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que seus concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os psiquiatras têm autoridade legal para escrever receitas. Ao abraçar o modelo biológico de doença mental, e o uso de drogas psicoativas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos secundários. E se apresentou também como uma disciplina científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha da indústria farmacêutica, que logo tornou tangível sua gratidão.



Associação Americana de Psiquiatria, a APA, estava preparando então a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, que estabelece os critérios de diagnóstico para todos os transtornos mentais. O presidente da Associação havia indicado Robert Spitzer, eminente professor de psiquiatria da Universidade de Columbia, para chefiar a força-tarefa que supervisionaria o Manual.

As duas primeiras edições, publicadas em 1952 e 1968, refletiam a visão freudiana da doença mental, e eram pouco conhecidas fora da profissão. Spitzer decidiu fazer da terceira edição, o DSM-III, algo bem diferente. Ele prometeu que o Manual seria “uma defesa do modelo médico aplicado a problemas psiquiátricos”, e o presidente da Associação, Jack Weinberg, disse que ele “deixaria claro para quem tivesse dúvidas que consideramos a psiquiatria uma especialidade da medicina”.

Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265 diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e logo teve um uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões, escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de todas as especialidades. Seu principal objetivo era trazer coerência (normalmente chamada de “confiabilidade”) ao diagnóstico psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do humor”.

Mas havia outro objetivo: justificar o uso de drogas psicoativas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da apa, reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos, cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”

A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa que validade. O termo confiabilidade é usado como sinônimo de “coerência”; validade refere-se à correção ou solidez. Se todos os médicos concordassem que as sardas são um sinal de câncer, o diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.

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DSM se tornou a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele citações de estudos científicos para sustentar suas decisões. É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas, sejam revistas ou livros didáticos, as declarações de fatos devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro “livros de consulta” separados para a edição atual do DSM, que apresentam a razão para algumas decisões, junto com referências, mas isso não é a mesma coisa que referências específicas.)

Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas se reunir e dar suas opiniões, mas a menos que essas opiniões possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a deferência extraordinária dedicada ao DSM. “A cada edição subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de diagnósticos se multiplicava, e os livros se tornaram maiores e mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana de Psiquiatria.” O Manual atual, o DSM-IV, vendeu mais de 1 milhão de exemplares.

Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e generosidade aos psiquiatras, tanto individual como coletivamente, direta e indiretamente. Choveram presentes e amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes, refeições, ajuda para participar de conferências. Quando os estados de Minnesota e Vermont implantaram “leis de transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade. A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.

Os laboratórios buscam conquistar psiquiatras de centros médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de “líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipe de vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto com eles. Dos 170 colaboradores da versão atual do DSM, dos quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95 tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, inclusive todos os colaboradores das seções sobre transtornos de humor e esquizofrenia.

Carlat pergunta: “Por que os psiquiatras estão na frente de todos os outros especialistas quando se trata de tomar dinheiro de laboratórios?” Sua resposta: “Nossos diagnósticos são subjetivos e expansíveis, e temos poucas razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objetivos para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por exemplo, em um campo como a cardiologia. E as empresas farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a fazer exatamente isso.

Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de defesa dos pacientes de déficit de atenção/hiperatividade, e 69 250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio”.

E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses; pode-se imaginar qual deve ser o total anual de todas as empresas que produzem drogas psicoativas. Esses grupos aparentemente existem para conscientizar a opinião pública sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de promover o uso de drogas psicoativas e influenciar os planos de saúde para cobri-los.



Como a maioria dos psiquiatras, Carlat trata seus pacientes apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de 100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja particularmente complicada, muito menos precisa, embora o público seja levado a acreditar que é.

Seu trabalho consiste em fazer aos pacientes uma série de perguntas sobre seus sintomas, para ver se eles combinam com algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos fazendo é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes preenchem critérios para mais de um diagnóstico, porque há sobreposição de sintomas.

Um dos pacientes de Carlat acabou com sete diagnósticos distintos. “Nós miramos sintomas distintos com os tratamentos, e outros medicamentos são adicionados para tratar os efeitos colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar tomando Celexa para depressão, Ativan para ansiedade, Ambien para insônia, Provigil para fadiga (um efeito colateral do Celexa) e Viagra para impotência (outro efeito colateral do Celexa).

Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”, sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher entre eles. E resume:

Assim é a moderna psicofarmacologia. Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos, sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos tentando corrigir, ou de como as drogas estão funcionando. Espanto-me que sejamos tão eficazes para tantos pacientes.

Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New Drugs, que os pacientes talvez estejam respondendo a um efeito placebo ativado. Se as drogas psicoativas não são tudo o que é alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece com os próprios diagnósticos? Como eles se multiplicam a cada edição do DSM?



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A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar drogas psicoativas até mesmo a pacientes para os quais os medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.

Seria muito difícil achar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que seus pais enfrentam.

Como as famílias de baixa renda estão passando por dificuldades econômicas crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguridade suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da Universidade Rutgers, descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde privado.

Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem argumentar, como Nancy Andreasen o faz em seu artigo sobre a perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se soubéssemos que os benefícios das drogas psicoativas superam seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa expectativa pode estar errada.


No mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoativas são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos têm se mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não existe indústria que promova essas alternativas. Mais pesquisas são necessárias para estudar alternativas às drogas psicoativas.

Em particular, precisamos repensar o tratamento de crianças. Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas condições ambientais – como auxílio individual para pais ou centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e comparados com o tratamento farmacológico.

No longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais baratas. Nossa confiança nas drogas psicoativas, receitadas para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras opções. Em vista dos riscos, e da eficácia questionável dos medicamentos em longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso. Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Lavando Louça


Na minha cabeça, a idéia de que lavar a louça é desagradável só pode ocorre quando você não está fazendo isso. Depois que você está diante da pia com suas mangas arregaçadas e suas mãos na água morna, não é tão ruim assim. Eu gosto de levar tempo com cada peça de louça, estando plenamente consciente em cada peça, na água e em cada movimento de minhas mãos. Eu sei que se eu me apressar pra sair e ir tomar uma xícara de chá, o tempo não será agradável e não terá valido a pena de ser vivido. Isso seria uma pena, pois cada minuto, cada segundo da vida é um milagre. As louças em si e o fato de eu estar aqui as lavando são milagres! Cada tigela que eu lavo, cada poema que eu componho, cada vez que eu convido um sino a tocar é um milagre, cada um tem exatamente o mesmo valor. Um dia, enquanto lavando uma tigela, senti que meus movimentos eram tão sagrados e respeitosos como os de banhar um Buddha recém-nascido. Se ele estivesse lendo isso, aquele Buddha recém-nascido certamente estaria
feliz por mim, e não teria se sentido nada ofendido de ser comparado com uma tigela.

Cada pensamento, cada ação à luz da atenção plena se torna sagrada. Sob essa luz, não existe fronteiras entre o sagrado e o profano. Devo confessar que leva um pouco mais de tempo para terminar de lavar a louça, mas vivo plenamente cada momento, e sou feliz. Lavar a louça é ao mesmo tempo um meio e um fim, isto é, não lavamos a louça apenas para termos as louças limpas, mas também lavamos a louça simplesmente para lavar a louça, para viver plenamente em cada momento enquanto estamos lavando.

Se eu for incapaz de lavar as louças alegremente, se eu quiser terminar logo para que eu possa ir tomar uma xícara de chá, serei igualmente incapaz de beber o chá alegremente. Com a xícara de chá em minhas mãos eu estarei pensando o que farei a seguir, e a fragrância e o sabor do chá, juntamente com o prazer de bebê-lo, serão perdidos. Estarei sempre atraído pelo futuro, nunca sendo capaz de viver no momento presente.

Banhando um Buddha recém-nascido
de Thich Nhat Hanh

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A alternativa


Melhorar o ser humano, até o mais impensável limite, e não confiar em sistemas ou soluções ideológicas é, a milênios, a proposta do budismo

"O homem descobriu sua própria imagem ao inventar o espelho. Hoje, começamos a enxergar nosso ser interior, nossa imagem enquanto ser capaz de solucionar questões políticas fundamentais por meio da consciência individual. O coletivo estaria dentro de nós e temos de usar “novos espelhos” para enxergá-lo.

Misturando nanotecnologia e biociência, Peres indicou que não pensa mais no Estado como resultado da associação de indivíduos. E, sim, como condição de existência de cada ser humano. O vínculo entre Estado e indivíduo, para o intelectual, tem hoje caráter de interioridade. Algo como o ser público que existe dentro do privado.

Mesmo porque, segundo o presidente – que fez questão de esclarecer não ser economista –, até a cibernética, atualmente, tem o poder de paralisar uma nação. “Não há proteção contra isso.” Só este fato muda totalmente a maneira de se lidar com a realidade. “Melhorar o ser humano em si é a única alternativa.”

Sonia Racy sobre entrevista de Shimon Peres.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Mulheres no zen budismo


Dai-En Benage Roshi, conhecida mestra zen dos EUA.

1) Nos tempos de Buda, foram admitidas as mulheres na ordem e ordenadas monjas, sendo pacífico não haver distinção entre mulheres e homens na capacidade de alcançar a iluminação. Embora seja fácil achar passagens sexistas em textos, a tese budista da igualdade dos seres não encoraja esta posição.
ex:
"A primeira monja foi Prajāpati. Khemā era a monja com mais sabedoria. Entre as monjas com mais poderes sobrenaturais, Uppalavannā era a maior. Nas regras de disciplina, Patacāra era a maior. Dhammadinnā era a maior na exposição dos ensinamentos. Em poderes meditativos, Nandā Sāvikā era a maior. Sonā era a maior no esforço. Em clarividência, Sakulā era a maior. Bhaddā Kundalakesā foi a mais rápida a atingir a realização. Bhaddā Kapilāni era a maior na lembraça de vidas passadas. Nos grandes poderes sobrenaturais, Bhaddā Kaccāna era a maior. Entre as que atingiram o poder superior, Kisāgotamī era a maior. Sigālamāta era a maior em devoção." (Dharmanet)

2) Criou-se uma linhagem de ordenação feminina, sendo sua primeira matriarca a tia de Buda, sua mãe adotiva. Esta linhagem foi prosseguindo até o sec 13 quando a invasão muçulmana que praticamente extinguiu o budismo na Índia deixou a sucessão feminina interrompida. Não sobreviveram mulheres que pudessem prosseguir a linhagem. Muitas linhagens masculinas também se extinguiram com o tempo, mas sobreviveram suficientes para o prosseguimento do budismo de ordenação em linha contínua até Buda.

3) Dois comportamentos então sucederam: escolas que daí em diante só ordenaram homens nas linhagens masculinas, tais como as do sul da Ásia, ficando as mulheres sem esta possibilidade, e escolas que passaram a ordenar mulheres em linhagens e com mestres homens tal como sucede com o zen até hoje.

4) O motivo da predominância masculina no budismo deve ser encontrável nas mesmas origens do que sucede nas atividades humanas normais,.(composição musical, pintura, matemática, filosofia etc...)hoje já podemos encontrar no ocidente muitas mulheres mestras e líderes religiosas no budismo.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A prisão das palavras


No sesshin de agosto, a serra caarinense é fria, nosso Buda ficou à frente de uma lareira na sala de meditação, boa imagem para cogitarmos que um dos significados possíveis para a palavra nirvana é "fogo extinto"

P: Então seria correto também afirmar que não devemos nos desapegar de tudo e só das coisas do ego? Pois não devmos nos desapegar de ter sabedoria e compaixão.

R: Tudo isso são apenas jogos com as palavras, não é tão difícil perceber quais desejos são altruístas e bondosos e quais são egóicos e prejudiciais aos outros. Coloca-los presos a mesma palavra "desejo", por exemplo, é o problema da linguagem.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Palestra no Badesc em Florianópolis



"O filme ficou pra terça-feira, dia 13 de setembro, às 19h30 no Badesc (esquina defronte o Teatro Álvares de Carvalho, centro). Após o qual o Monge Genshô estará realizando uma palestra sobre o zen budismo e sua conexão com a exposição.

Se trata de uma narrativa poética de 60 minutos que faz parte da exposição Ashes and snow, do artista canadense Gregory Colbert.
página oficial, aqui: http://www.ashesandsnow.orgNa exposição também há fotografias, um romance epistolar e dois curta-metragens.
Todo esse material é exposto num museu itinerante chamado Nomadic Museum, uma construção sustentável feita com materiais locais.
Tem mais informação sobre o Nomadic aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nomadic_Museum

A narração está feita por Laurence Fishburne (na nossa versão inglesa), Enrique Rocha (na versão espanhola), Ken Watanabe (na versão japonesa), e Jeanne Moreau (na versão francesa).
Encontram-se em curso as narrações em português, russo, chinês, árabe, alemão e italiano.
Entre os colaboradores musicais encontram-se Michael Brook, David Darling, Heiner Goebbels, Lisa Gerrard, Lukas Foss, Nusrat Fateh Ali Khan, e Djivan Gasparayan.

Vale a pena dar uma lida nessa página dentro do site oficial: http://www.ashesandsnow.org/pt-br/vision/biography.php

Só como curiosidade, as fotografias artísticas do projeto medem aproximadamente 3,5 m por 2,5 m e foram criadas por meio de um processo encáustico em papel japonês feito à mão. Os filmes incluem um longa-metragem em 35 mm com duração de 60 minutos (esse que vamos passar) e dois curta-metragens haiku.
Na concepção das fotografias e das imagens dos filmes não foi utilizado qualquer tipo de colagem digital ou sobreposição.

Houve varias críticas positivas sobre a exposição e os filmes em jornais na época, e uma delas eu destaco aqui:
“As espantosas fotografias em tonalidades sépia e terra . . . . documentam a longa caravana de criaturas belas que desfilaram diante da sua lente mágica . . . Para lá de uma aparente sobriedade, este espaço é estático; e quanto à montagem, é completamente Zen. . . . É como uma capela Rothko em ponto grande.” — Wall Street Journal, 2005"

Fernanda Canto