terça-feira, 3 de julho de 2012

Ela disse: vou morrer este ano



Pergunta: Existe um senso comum para eu parar o zazen, uma vez que não esteja suportando a dor física e o desconforto, só eu determino?

Monge Gensho – Não podemos abandonar nossos companheiros, todos estão sofrendo. Você pode mudar de posição, pode pegar uma cadeira, apenas não podemos deixar nossos companheiros, pois nós os abandonaríamos e eles estão pensando a mesma coisa, “Ninguém suporta mais”. Todo mundo pensa, “ninguém pode estar sofrendo mais que eu, porque se estiver sofrendo um pouco mais que eu ele iria embora, tenho certeza que meu sofrimento é o maior de todos”. Você pode estar certo, minhas pernas estão doendo, mas como sou o professor não posso sentar mais confortavelmente, tenho que ficar sentado corretamente para que vocês sintam mais força. Então se você não suporta, troque de posição, apenas não abandone seu companheiro do lado. Desertar é o pior dos crimes, porque todos os outros serão atingidos, por isso fazemos tudo juntos e não podemos faltar a nenhum zazen no retiro. Uma pessoa foi embora, mas ela teve uma crise hipertensiva e é uma pessoa muito doente. Semana passada esteve internada com uma irregularidade cardíaca. Mas isso é outra situação. Sempre conto uma historia de uma praticante que me procurou alguns anos atrás. Ela me procurou em janeiro e disse “tenho câncer pela terceira vez e irei morrer nesse ano, provavelmente. O que eu faço?”, eu lhe disse, “Vamos nos preparar, você pratica zazen conosco e vamos tentar ter a melhor mente possível para morrer bem”. Dei à ela meu rakusu, no hospital, e ela morreu com ele dez meses depois. Ela fez sesshin conosco fazendo quimioterapia, sem cabelos. Quando não suportava mais as dores ela deitava no zabuton, mas não saía da sala. Você está pior que ela? 

Pergunta – O senhor disse que o caminho para o segundo passo é o zazen e para o terceiro passo é o zazen de uma forma mais profunda. O senhor poderia falar um pouco mais sobre isso?

Monge Gensho – a medida que nos aprofundamos no zazen e vamos mais fundo na nossa compreensão ultrapassamos a noção de os outros e o universo e vai chegar um momento em que tudo se dissolve. Quando o eu puder ser abandonado, mesmo que por alguns momentos você experimentará o que é não dualidade e esse será um momento de kensho, um momento iluminado. Na medida que você conseguir ter mais experiências como essa, talvez um dia você consiga obter o domínio sobre esse tipo de experiência, isso seria o satori, você é proprietário da experiência, da não dualidade e pode chamá-la a qualquer momento. Não significa que você fica transitando nesse mundo sem um eu, porque precisamos de um eu para fazer as coisas, para falar, trabalhar, reagir. Mas para obter a iluminação você precisa ser capaz de descartá-lo a qualquer momento da mesma forma que você tira uma camisa. 

(Trecho de palestra em sesshin, no Morro das Pedras, em Florianópolis, digitada e decupada da gravação por Ápio San. 2012)