terça-feira, 25 de março de 2014

As angústias fabricadas


As angústias do mundo são em sua maioria fabricadas. Você acredita em nome, forma, roupa, bens, você acredita em todas essas coisas e sofre por elas...

Comentário – O ser humano é feito disso, só num momento de libertação último é que consegue se livrar de todas essas coisas...

Monge Genshô - É disso que estamos falando, o monastério serve para a pessoa descobrir que a maior parte disso que dizemos, “eu preciso”, é fantasia. Porque, na realidade mesmo, não precisamos. Você precisa porque todos esperam que você tenha carro, casa própria, família, mas quando você está num mosteiro descobre que é possível dormir no mesmo lugar que você medita, é possível não ter quarto, é possível não ter privacidade, é possível não ter seu próprio banheiro.

Comentário –  é assim, onde vou morar, vou morar na comunidade budista de Florianópolis, então largo tudo e peço ao monge para dormir no zendo e a comunidade é que me sustenta?

Monge Genshô - É que vocês estão pensando que esse é um modelo para a existência, o monastério, e o mosteiro Zen é diferente do mosteiro católico. Em um mosteiro católico você vai para viver a vida inteira, então é muito mais confortável. Num mosteiro Zen você vai para treinar por um período curto, não se espera que um monge em formação fique mais que dois anos num mosteiro, três anos é o máximo. Ele terá uma vida mais dura no primeiro ano, no segundo ano está mais acostumado e no terceiro já estará cuidando dos outros. É um lugar para descobertas, não um modelo de vida. Se fosse um modelo de vida, o monge teria que ser mendicante e não ter ligação com nada. Por isso a designação “Monge” no Zen está errada. Não se trata de monges verdadeiramente, somos “Ministros do Dharma” ou “Reverendos”.

Quando você vai para o mosteiro, vive o celibato, mas quando sai, casa e tem família e muitas responsabilidades, por exemplo, aqui, se um monge quisesse realizar esse tipo de trabalho, teria que receber dinheiro da Sangha, senão como sobreviveria?

5) Qual a utilidade desse processo todo para a humanidade?

Monge Genshô - Essa é uma excelente pergunta. A humanidade mudou por causa dos mosteiros.  Em razão da existência dos monastérios é que a Europa mudou completamente. Os monastérios foram responsáveis por copiar livros, guardar conhecimento, educar, serviram de refúgio, foram as primeiras escolas e inspiradores das universidades. Isso também aconteceu no budismo. Em razão da existência de monges e monastérios, aconteceram estudos filosóficos, surgiu a Universidade Nalanda, na Índia, para preservação do conhecimento, os monges lutavam por paz entre os povos, criou-se na Índia, em razão do budismo, um longo período de paz. Se olharmos para o cristianismo, veremos que os monastérios preservaram a alma do cristianismo. Porque, pelas lutas de poder do papado e guerras internas, o cristianismo já teria desaparecido. O cristianismo ficou refugiado em homens como São Francisco de Assis, Santo Inácio de Loiola, Santa Teresa D’Avila. Essas pessoas estavam nos monastérios.


7) Voltando àquela questão anterior.  Então é mais um treinamento para que as coisas desejadas não sejam tão grandes. Não é que você não deva desejar, não deva querer, mas não precisa ter tanto apego...

Monge Genshô - Tem que tirar o “tanto”. Na realidade pode ficar plenamente liberto disso. Ter um carro é muito bom, não ter, tudo bem também. Não é esse o problema. Não existe um meio caminho nisso. Quando dizemos, “Ah, não me importo tanto com isso”, é porque você se importa sim. Só amenizou, mas se importa. Tem que quebrar a xícara e varrer os cacos, só isso, sem sofrer pela xícara quebrada. Se formos capazes de varrer os cacos de tudo na nossa vida, daí sim, pois não são somente coisas, coisas são mais fáceis. Emoções, apegos, pessoas, são fontes de maior sofrimento e mais difíceis de lidar.