quinta-feira, 27 de março de 2014

“As palavras reduzem a realidade a algo que a mente humana é capaz de entender, o que não é muita coisa”


1) Essa segunda condição que o Senhor citou, uma pessoa ignorante que não tem o conhecimento do Dharma mas atinge a iluminação, ela necessariamente tem que estar ligada à alguma religião?

Monge Genshô – Ela pode estar ligada à uma religião, o budismo não é proprietário da iluminação. Outras religiões podem propiciar um caminho para o esclarecimento. Isso é muito fácil de comprovar vendo os escritos pois, quando vemos algo escrito por uma pessoa, podemos avaliar se é ou não algo feito por alguém que experimentou o despertar. Mas isso não significa santidade. Uma pessoa pode viver uma vida de santidade, mas não estar desperto. Pode até ser um mártir e não estar desperto. Ele pode por exemplo se sacrificar, levar uma vida reclusa e de santidade, mas com o propósito único de obter uma salvação para si, para “ele” ir para o céu. Esse é um objetivo egóico e significa um não esclarecimento, um não despertar. Mas posso citar místicos cristãos com uma clara experiência de despertar: Meister Eckhart, por exemplo, no século XIII e também São João da Cruz. É fácil perceber em seus escritos que eles obtiveram uma experiência espiritual de despertar. O essencial é não pensarmos que o budismo tem a “verdade”. O budismo é um método e a verdade é evanescente. 

Aluno - Qual a recomendação para iniciantes?

Monge Genshô – Ler um pouco. Aprender a sentar. Olhar sua mente. Tornar-se consciente de seu fluxo de pensamentos e sentimentos. Muita coisa muda quando começamos a perceber o quê e de que forma pensamos. Podemos descobrir, por exemplo, que não somos exatamente como ou quem pensávamos ser. Essas experiências começam no zazen, de frente para a parede é como se víssemos uma fotografia de nossa mente. Você pode descobrir que é capaz de transformar a sua mente e com isso alterar seu carma. Mudando o carma, tudo pode mudar. Você é professor de matemática, não é? Matemática é interessante. Muitas pessoas imaginam que matemática é certa e partindo de determinados axiomas construímos edifícios e dizemos que isso é matemático, certo, indiscutível.

No século XX passamos para outros estágios da matemática e isso mudou nossa noção sobre o universo e nossa capacidade de saber determinadas coisas. Porém este já é um discurso budista de dois mil e seiscentos anos atrás, não tínhamos então certos instrumentos para investigar a realidade. Estou falando e tentando comunicar algo, mas essa comunicação sempre será falha. Eu li uma frase bem interessante que diz: “As palavras reduzem a realidade a algo que a mente humana é capaz de entender, o que não é muita coisa”. Essa frase é fantástica, pois realmente acreditamos que somos capazes de entender a realidade e fazemos discursos, escrevemos textos e livros. A realidade só pode ser compreendida através de uma experiência direta, a experiência comunicada é obrigatoriamente produto semiótico, produto de símbolos e representações. Por isso que as pessoas dizem que ouvem o Dharma e não entendem. Mas é possível perceber certo entendimento nas pessoas  que não é perceptível através meramente das palavras.