segunda-feira, 24 de março de 2014

Descartando até o próprio nome


3) Eu gostaria de entender uma coisa, quando o Senhor falou em aversões,  eu gostaria de me sentir parte dessa natureza, mas por mais que eu trabalhe essas coisas em mim ainda não me sinto no chão, me sinto muito aérea. Gostaria de me sentir presente em algum lugar.

Monge Genshô – Você precisa praticar meditação para aprender a ficar presente, aqui agora, nesse lugar. Mas acredito que seja necessário sentir que tem raízes, porque somos seres móveis, mutantes e também transitamos por todos os lugares e isso nos dá muitas possibilidades e, se você fosse uma árvore e estivesse presa sem jamais poder sair, talvez você dissesse “eu queria ser livre, queria ser um pássaro e poder voar, mas eu com essas raízes que me prendem, não posso”. Nós seres humanos somos muito complicados, nunca estamos muito satisfeitos. Frequentemente tenho conversado sobre isso, porque o mundo tem variado e estávamos falando da Grécia.

No Brasil temos 22% das pessoas que estão trabalhando para o Estado, todos querem ser funcionários públicos.  Porque se tem segurança, nunca se será demitido. E falávamos que a Grécia entrou na zona do Euro e o povo sentiu-se mais rico, o governo com mais condições financeiras resolveu atender os desejos das pessoas. No fim gerou-se até um 16º salário e perto de 50% da população estava em empregos públicos, só que o governo não tinha condições de arcar com tanta despesa, foi pegando dinheiro emprestado e no final descobriu-se que a Grécia não tem como pagar os empréstimos feitos. A lição que vem disso é que não se pode fazer as coisas infinitamente, não existe a possibilidade dos gastos infinitos, da estabilidade para todos. Vivemos em um mundo instável e buscamos cada vez mais estabilidade. Mas essa não é história da humanidade. A história da humanidade é tremenda incerteza.

Até o início do século XIX fome generalizada para países inteiros era coisa comum, só paramos de ter fome em todos os lugares quando foi possível levar navios com alimentos de um lado para o outro no mundo. A história da humanidade é de incerteza, guerras e mudança. É interessante que existam países em que acontece uma certa estabilidade, como é o caso da Suíça de hoje, e isso já ocorre desde a segunda guerra mundial. Mas quando conversamos com jovens, eles dizem que o Brasil é maravilhoso, pois existem muitas possibilidades, muita aventura e muitas coisas podem acontecer. Na Suíça, eles dizem que sabem que irão fazer tal curso, trabalhar em determinada empresa. Tudo já é previsto, muito estável, e a sensação que as pessoas têm é de imensa monotonia. E nós que estamos na parte instável do mundo, onde as coisas sobem e descem, queremos estabilidade. Mas temos conhecimento de jovens que saem desses lugares estáveis para morar no Brasil e América Central em busca de aventura, de mudanças.

Uma vez conversando com um senhor alemão ele me dizia da maravilha, da sorte que eu tinha de morar num lugar onde as possibilidades eram infinitas, uma vez que na Alemanha tudo já estava feito. É interessante que as pessoas tenham esse tipo de sentimento morando em um lugar desses. O que interessa para nós do ponto de vista budista é que o ser humano nunca está satisfeito, quando tem estabilidade quer aventura, quando tem muita aventura anseia pela estabilidade. Uma pessoa me disse que quer estabilidade,  disse à ela que vou levá-la à um país chamado Andorra, que possui cinco cidades. Então ela fez uma pesquisa na internet e descobriu que o país tem menos de cinquenta mil habitantes, é um principado. Vive do turismo e tem um único imposto, 15% de tudo que for comercializado. Não existe declaração de imposto de renda, não possui exército, nada acontece, há muito que o país vive nessa calmaria. Quando estive em Andorra o que as pessoas diziam era que o lugar era monótono, “nasci na casa dos meus tataravós e morrerei nessa mesma casa, aqui é muito chato”. Todos sabem da vida de todos, pois cada cidade tem no máximo dez mil habitantes. Mais ou menos 17% da população é de imigrantes portugueses e angolanos, que fugidos da guerra civil de seu país vão em busca de paz. Para esses imigrantes, Andorra é o paraíso.

4) Tenho um dúvida sobre a disciplina do Zen. Onde se encaixaria a disciplina nesse universo que o Senhor mesmo falou de aventura e mudanças? Entraria como uma espécie de balança?

Monge Genshô – Em um mosteiro a monotonia é imensa. Tudo tem hora para começar e terminar. Vai raspar a cabeça no quarto e nono dias, não existem domingos e feriados, um dia para lavar a roupa, outro dia para cerimônias, é tudo sempre igual, sempre as mesmas coisas. O máximo que pode acontecer é trocar de função. Não existem notícias de fora do mosteiro, sem rádio ou televisão, sem telefones. Você mergulha na mais absoluta paz. Por isso quando o monge sai do mosteiro, pensa que o mundo está uma loucura. Como você viveu em um universo onde tudo é compartilhado, não existe nada de seu, você não precisa de nada, não precisa de bens, não há a absoluta necessidade de adquirir  nada.

Comentário – Mas dessa forma sempre tem alguém por trás pensando e organizando e, de certa forma, financiando tudo isso. Os seres fora do mosteiro trabalham para sustentar esse estilo de vida.

Monge Genshô – Sim, isso é verdade. E essa sempre foi a tradição da humanidade, os religiosos sempre foram sustentados. A sociedade produz um excedente e isso propicia o sustento dos monges. Embora os monges em mosteiros trabalhem, isso não é suficiente para produzir renda para ter um conforto a mais. Os monges dormiam na sala de meditação, suas refeições eram feitas ali também, ninguém possuía quarto particular. Ele só tinha um lugar onde meditar, dormir e fazer suas refeições, isso tudo no mesmo lugar, hoje em dia já há mais conforto, mas era assim mesmo. Só levantava dali para trabalhar ou fazer cerimônias.  A lição quando o monge volta para o mundo, é perceber que os problemas que angustiam e preocupam a humanidade são problemas fabricados, problemas criados por nós mesmos. Acreditando num determinado mito, por exemplo, você tem um nome e precisa defender esse nome. Em um mosteiro você descarta seu nome de família e ganha um novo nome.