quarta-feira, 26 de março de 2014

Três formas de prática


Vou conversar com vocês sobre três formas de prática, que na verdade são três caminhos ou veículos. Veículo diz-se “Yana” e o primeiro veículo é “SRAVAKAYANA”, que é o caminho daquele que aprende através da compreensão dos ensinamentos, sendo que três ensinamentos básicos precisam ser muito bem entendidos para que consigamos uma libertação do sofrimento.

O primeiro é “Anitya”, ou seja, a impermanência. A primeira compreensão então é a compreensão profunda da impermanência. Se colocarmos nossa felicidade na permanência das coisas, certamente iremos sofrer. Quem aposta na beleza da juventude sofre, pois todos ficaremos velhos.

O segundo ensinamento que precisamos compreender é “Anatta”, de que nada tem um “eu” inerente. Todos os “eus” são construídos. Lembro-me de meu tempo de juventude quando tínhamos um fusca e lhe demos o nome de Pitanguinha. Lembro-me até hoje do dia em que o vendi e fiquei muito triste, mas na realidade ele nada mais era do que ferro, lata, motor, borracha e óleo. O carro havia ganhado um “eu”, era o Pitanguinha. O “eu” do carro é tão falso e construído como nosso próprio “eu”. Nós somos constituídos de pele, unha, ossos, carne, água e células, mas pensamos que temos um “eu” próprio. “Anata” é o ensinamento que não existe nenhum “eu” verdadeiro em coisa alguma, todos são construídos e entender isso, essa noção de separação de todas as coisas, que é uma construção mental, é um trabalho que exige lucidez e clareza.

O terceiro ensinamento para os Sravakas, aqueles que seguem o caminho de Sravakayana, é “Dukkha”, segundo o que toda a vida é insatisfatória, ou seja, nunca estaremos satisfeitos. Tudo que existe no mundo e que ambicionamos, logo depois de conquistado parece não ser mais o mesmo. As pessoas que desejam muito um filho, casam-se, têm o filho e este torna-se então a fonte da insegurança, sofrimento, ansiedade e até mesmo fonte de pesadelos em razão do medo de sequestros, doenças e morte. Esses sofrimentos são muito reais e de nada adianta explicar para  as pessoas que são sofrimentos construídos. Mesmo as coisas mais belas da vida estão sujeitas à “Dukkha”, não significa sofrimento, mas sim que a vida é cheia de sobes e desces, felicidade e infelicidade, riqueza e pobreza, saúde e doença.

Estava lendo sobre a vida de Bobby Fischer que em 1972 foi campeão mundial de xadrez. Desde os seis anos de idade era apaixonado por xadrez e em 1972 teve a oportunidade de desafiar o campeão mundial, Boris Spassky, um Russo que vinha de anos de vitórias, e o venceu. Depois desse ano ele não conseguiu jogar outros campeonatos, pois chegara onde jamais imaginara chegar, era campeão do mundo. O que aconteceu foi que logo após ter sua grande conquista, seu maior objeto de desejo, isso se dissolveu em suas mãos e tornou-se fonte de sofrimento. Viver num mundo fugaz de impermanência, pisando num chão que constantemente se modifica é um grande desafio, mas os Sravakas, compreendendo perfeitamente essas coisas, atingem a iluminação. Se tornam aqueles que através do ensinamento conseguem atingir a libertação, livrando-se de toda dor e sofrimento. 

O segundo Yana que eu quero comentar é “PRATYEKABUDHAYANA”. O “PRATYEKABUDHA” é alguém que não conhece um Mestre mas sozinho através da prática e da virtude, alcança sabedoria e iluminação. Ele não consegue ensinar pois não tem o conhecimento do Dharma, mas possui um esclarecimento interno. Vocês poderão encontrar esse tipo de pessoa, às vezes ignorantes dos conhecimentos formais do mundo, que mesmo sem mestre conquistaram sabedoria, eles não podem ensinar, mas através do seu exemplo e gestos, influenciam o mundo. Esses são os “Pratyekabudhas”.

O terceiro Yana é o “BODHISATTVAYANA”, que é aquele que segue o caminho de desenvolver uma grande compaixão e dedica sua vida a ensinar e ajudar as outras pessoas a escapar do sofrimento. Esse, o Bodhisattva, faz os votos que recitamos no final do zazen. O caminho de Buda é o caminho do Bodhisattva e sua atuação foi tão intensa que sobrevive até nossos tempos, ou seja, dois mil e seiscentos anos depois, estamos nós aqui falando de seus ensinamentos. Esse é o veículo ideal do Mahayana.