terça-feira, 24 de junho de 2014

Entre bodhisattvas e eremitas


Aluno – O zazen então é para desconstruir o eu? É para ajudar nesse processo?

Monge Genshô - O zazen vai ajudar você a ter lucidez, clareza e estabilidade na sua prática. Se vai fazer com que você veja que seu eu é puramente construído, é outra coisa. Eu estou explicando aqui intelectualmente, e acho que intelectualmente a maioria entendeu. Mas entre entender intelectualmente e sentir, vai uma diferença muito grande. Eu disse: “seu eu é construído”, você só se ofende porque acredita nessa identidade que você construiu. Não é?

Ontem um amigo me deu um cartão, e eu comecei a ler os títulos, e, de título em título, professor, doutor, psicoterapeuta, massoterapeuta, psicanálise, acupuntura, editor, a quantidade de identidades que a gente vai agregando à nossa vida é muito grande, você começa a juntar, juntar e cada vez a identidade fica mais construída.

Se eu começo: ah, eu sou consultor, sou Monge Zen, articulista, conferencista, etc, quanto mais identidades, mais fácil de ser ofendido, porque tem mais alvos para alguém atingir. Então na verdade, muitas identidades é perigoso.

Então o que fazemos? Tentamos diminuir, diminuir, cada vez menos identidades. Se não tivermos mais nenhuma identidade, mais difícil de ser ferido. O zazen vai permitir isso? Não, ele vai criar condições para você ter uma mente que é capaz de atingir outros insights, e esses insights têm que ser emocionais, porque a compreensão intelectual não vai resolver. Você explica, está entendido, mas, vem um insulto e a raiva vem no mesmo instante, porque você só compreendeu com seu intelecto, não compreendeu com seu coração, com suas entranhas.

Pergunta – O Senhor falou dos votos do Bodhisattva e eu fiquei com aquilo e parece-me que no budismo não adianta ter só boas intenções, tem que haver um esforço a mais para transformar essas intenções em prática e, aquela comparação do budista como “santo” que o zen em particular não quer ser santo, queria que o senhor falasse um pouco sobre isso.

Monge Genshô - Isso é bem importante, porque o santo quer um objetivo, ele quer ir para o paraíso, e o santo tem uma negociação, com uma estrutura qualquer de virtude. “Eu vou atingir tais virtudes, e essas virtudes me distinguem dos outros homens”. Isto não é iluminação, isso é santidade. A santidade merece muita reverência sem dúvidas, eu acho que um homem santo merece ser reverenciado, mas ele não está nem aos pés de um Bodhisattva.

Porque o Bodhisattva é ruim como todos, cheio de defeitos e dificuldades, mas ele está se empenhando para ajudar os homens. Ontem nós estávamos fazendo uma imagem a respeito da iluminação, o budismo é como um barco que você toma, e atravessa o rio da ignorância, e sai dessa margem aqui e vai para a outra margem, “Prajna Paramita” a margem da sabedoria, aí quando você chega na outra margem, o que você tem que fazer com o budismo? O budismo só existe para ser abandonado, porque quando você atravessa o rio, não vai sair carregando a canoa nas costas. A lógica é abandonar a canoa. Mas se você é um Bodhisattva, você olha para a margem de cá, onde estão todos os homens sofrendo, mergulhados em ilusões, ignorância e fantasias, e então você vira o barco, e volta, para ajudar as pessoas a atravessarem o rio. Porque seu sentimento é que não pode deixar seus companheiros do lado de cá, perdidos.

No início eu disse: “vocês não podem abandonar seus companheiros, se estão sentados aqui em zazen sofrendo, ninguém pode ir embora”. Não é? Porque isso é a prática dos Bodhisattvas. Se fosse a prática dos eremitas, podíamos subir a montanha e ficar lá sozinhos, isolados, meditando e atingir a iluminação. Porque não importam os homens que estão na outra margem. Essa é a diferença entre um Bodhisattva e um santo eremita.