segunda-feira, 2 de junho de 2014

Qual a bengala a que você está agarrado?


Então nós temos por exemplo, o altar budista. O altar budista é diverso do altar de outras religiões? Não. As flores representam a impermanência. A vela representa a luz. A água está ali porque Buda morreu com desidratação, e nós queremos dizer: “se eu estivesse lá eu lhe daria água”. A estátua poderia ser um pedaço de madeira, de pedra, cerâmica, qualquer coisa. É Buda? Claro que não é Buda. Ela só está ali, para me lembrar, que se ele realizou se libertar e era um homem como eu, então eu também posso me libertar. Ele é um exemplo de que eu posso me desfazer das ilusões e parar de me agarrar em crenças e partir para um pensamento mais limpo, sem me agarrar em nada externo.

Então Buda não era um deus, não era um salvador, um profeta e na realidade, eu posso tirar a estátua dele dali. Na verdade, não haviam estátuas de Budas, nos altares, durante os 300 primeiros anos da história do budismo. Ninguém se atrevia a colocar uma estátua de Buda num altar, o que se colocavam eram impressões de pés ou uma árvore, porque ele havia se iluminado embaixo de uma árvore e diziam: “ele passou por aqui”.

As estátuas de Buda só aparecem depois do chamado “Período Gandhara”, e este período aconteceu na região que hoje engloba o Afeganistão. Ela era um reino grego, e como os gregos haviam invadido a Índia e dominaram aquela região, os gregos influenciaram o budismo para que o budismo produzisse estátuas, e as primeiras estátuas de Buda são gregas. Nariz grego, feitio grego, etc. Então, a existência da estatuária budista, é uma influência do ocidente grego sobre o budismo, assim como a existência do estoicismo na filosofia grega  tem uma influência do budismo.

Essa conexão cultural entre o budismo oriental, o oriente e o ocidente normalmente é ignorada, porque nós na faculdade estudamos uma história que isola o oriente, é como se ele não existisse, e toda a história partisse da Grécia e de Roma, é a chamada “História Eurocêntrica”. E ninguém sabe quase nada aqui do que aconteceu na Índia, na China e no Japão, nesses séculos anteriores, quando nós sabemos que a civilização chinesa é mais antiga que a civilização grega, mais antiga que a civilização romana, só não é mais antiga que a civilização egípcia e babilônica.

Então, o que representa o altar para nós? É só um mecanismo de lembrança, porque as pessoas gostam de altares. Nós precisamos realmente de altares? Não, não precisamos de altares. Nós reverenciamos a lembrança do seu ensinamento e a verdade de que nós somos homens como ele, porque ele tem a água na frente dele porque morreu desidratado, mas morreu porquê? Porque comeu em casa de um ferreiro, passou muito mal, teve um enfarto agudo do mesentério, e teve uma diarréia sanguinolenta. Eu sempre pergunto nas minhas primeiras palestras: “vocês já tiveram diarréia?” Então vocês são como Buda! Vocês podem se iluminar.

Essa história passou através dos tempos para nos dizer isso: não era um ser sagrado que subiu aos céus numa nuvem. Era um homem como nós que morreu com diarréia. Essa é a mensagem fundamental do budismo, lógica, dura, na realidade. Às vezes eu estou falando e pessoas se queixam e dizem: “Monge Genshô parece muito cético, muito terrível, ele tira todas as coisas que nós nos agarramos”. Mas essa é a verdadeira tarefa do Mestre ZEN. O Mestre Zen quer dizer: “Qual é a bengala em que você está se apoiando? Qual é a crença, a ilusão em que você está se apoiando? Ah é essa? Estou tirando”.

Aí tirei a bengala, tirei a muleta, tirei o tapete debaixo dos pés e, quando não resta nada, e o homem olha pra baixo e vê que não tem mais chão onde pisar, então chegou um grande momento, porque só aí o homem pode ambicionar sabedoria. Enquanto ele estiver agarrado em crenças, ele não pode ambicionar sabedoria, porque a crença  é o contrário do saber. A crença é aquilo em que eu me agarro sem saber nada. Eu tenho apenas “fé” que é assim. Mas, se eu souber que é assim, se eu tiver a experiência, então eu não preciso de crença.