quinta-feira, 31 de julho de 2014

O budismo está vivo

Foto de Mauricio Hondaku

Pergunta: Estamos falando do Zen japonês, não?

Monge Genshô: Sim. Nós estamos falando em Zen, e Zen é uma a palavra japonesa. Existe zen em outros países mas com nomes locais, Ch’an,  Son, Thien. Mas isso, em relação a casamento só acontece no Japão porque, em 1872, houve um édito imperial que ordenou aos monges budistas de todas as ordens que casassem. Na realidade, a intenção do império japonês era enfraquecer o budismo, para fortalecer o Xintoísmo, que era uma religião nacional. Era um movimento nacionalista e militarista do Japão, que acabou redundando primeiro em vitórias como a que houve contra a Rússia, por exemplo, em 1905, na guerra russo-japonesa. Depois, na invasão da China, na Manchúria, e acabou culminando na sua aventura militar contra os Estados Unidos. Tornaram-se aliados do eixo, da Itália e da Alemanha, na 2ª Guerra Mundial, e acabaram com uma derrota fragorosa.

Antes deste período, durante 250 anos o Japão ficou isolado, pacífico. Não empreendeu nenhuma guerra, não se militarizou, não invadiu ninguém. Foi um grande período de prestígio do Zen, porque ele estava sob o governo de samurais, do Xogum. Embora eles fossem guerreiros, eles estavam impregnados da filosofia do Zen. E isso redundou num imenso pacifismo e num treinamento de toda a população japonesa num outro padrão de educação, porque o Japão estava longe de ter a educação que tem hoje, no período anterior. Antes desse período ele viveu guerras civis violentas, assaltantes nas estradas, roubos, era um país em convulsão constante. A unificação do Japão ocorre por volta de 1600 e inicia esse período, que é o período “Tokugawa” – período de domínio dos Xogum. Depois de 1868, vocês viram que o edito ordenando aos monges para que se casassem, de 1872, era uma tentativa de desmoralizar a instituição monástica budista, perante a população. Na verdade, é um desses tiros pela culatra. Não deu muito certo. É como se hoje o Papa resolvesse reformar o celibato católico e dissesse aos padres que poderiam se casar. Talvez nós tivéssemos uma grande revolução no catolicismo, através do surgimento de muitas vocações religiosas, não é?  E, talvez isso, em vez de ser uma fraqueza, como aconteceu com o Zen, acabasse sendo uma fortaleza. Poderia acontecer.

Na realidade, houve uma tentativa de desprestígio do budismo, através dessa ordem para os monges. Mas, agora nós temos aqui  exemplos. Eu sou casado, o monge Tokushi é casado, o postulante a monge Daitetsu San é casado. E aí o florescimento fica mais fácil, bem mais fácil. Essa é uma consideração, vamos dizer assim, organizacional. Mas, também mostra um fato, que eu estou repetindo sempre, de que o budismo é vivo. Ele não é uma coisa morta, congelada em ensinamentos de 2600 anos atrás. Sempre que alguém vem e me diz assim,  “ah, os quatro elementos, o ar, a terra, a água, o fogo, não é... e a vacuidade...”  Quando alguém diz isso, eu sempre penso: “isso ainda é atraso no budismo”. Porque nós já passamos há muito tempo desse tipo de concepção do universo. Pode ter uma vantagem simbólica para narrações, um sentido alquímico, mas nós temos a tabela periódica dos elementos, hoje. Podemos achar outras imagens. Eu nunca uso esse tipo de teoria de dois milênios atrás como forma de ensinar, porque acho que, na realidade, não ajuda mais. Não adianta nós falarmos em astrologia, ou alquimia, ou coisas assim. Isso não ajuda. É melhor nós olharmos o conhecimento moderno e adaptarmos ao budismo. E o budismo está vivo o suficiente para lidar com tudo.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Monges zen e casamento



Quadro de Eduardo Salinas
Pergunta: Monge, o senhor pode falar um pouco sobre o contexto da fala de Buda que diz sobre o abandono da família?

Monge Genshô: Ela perguntou sobre Shukke Tokudo, que é a ordenação de Monge. Então, Buda deixou sua família – mulher, filho – e foi pra floresta praticar. E, nos primeiros tempos, a tradição sempre foi os monges deixarem o lar e seguirem apenas o caminho monástico. Isso durou milênios na realidade. Os Monges Zen japoneses casam-se desde 1872, ou seja, é um acontecimento recente na história do Zen. Mas, como eu já expliquei numa palestra anterior que foi publicada, o vinaya indiano, que são as primeiras regras do tempo de Buda, foram abandonadas pelo Zen já por volta do ano 720 d.C.

Pai-Chang, na China, adaptou as regras para um outro contexto. Na Índia e no sul da Ásia, mendigar sua própria comida era uma coisa admissível. Mas, na China, isso não era admissível. Nos países frios, coisas assim, ter um contingente de pessoas vivendo de mendicância, não era uma boa ideia, de modo que Pai-Chang escreveu novas regras, e essas regras já têm 1400 anos para o zen. Essas regras enfatizam o trabalho. Pai-Chang disse: “Dia sem trabalho, dia sem comida”, de modo que os Monges foram morar em monastérios, cultivavam a terra, e produziam sua própria comida.

Assim, aparecem duas perspectivas diferentes. Uma perspectiva diz: “Ah, os monges deixaram de depender da sangha, e isso os tornou independentes”. Então, a distância entre o monge e a sangha aumentou, porque antes, se a sangha não sustentasse o monge, ele morria de fome, mas ele estava sempre disponível para ajudar a sangha em tudo, ele não tinha outras obrigações. Isso é uma crítica. A outra perspectiva é “ah, mas isso deu força ao Zen”, certa independência dos monastérios. Os monastérios conseguiram sobreviver bem às perseguições e tudo mais, porque podiam se isolar, podiam viver em comunidade, sem depender do mundo externo. Então, essa distância lhes deu força de sobrevivência, e isso levou o Zen a chegar ao ponto de ter 5 milhões de monges na China, numa época em que a China não tinha 50 milhões de habitantes.

Era tanta gente, que o Império resolveu acabar com essa brincadeira, porque entendeu que os homens iam para o monastério para ser monges e escapar do serviço militar. Então, aconteceram grandes perseguições e destruições. Três grandes perseguições ao budismo aconteceram dentro da China, por causa dessa questão. Mas, nessa época ainda, os monges viviam isolados, longe de suas famílias.

Nós estamos vivendo  os últimos dois séculos – o século passado e esse – que é uma outra época para o budismo, em que os monges zen japoneses são, em certa medida, leigos, porque casam, trabalham, etc, não dependem da sangha para viver. Mas, de outro lado, isso facilitou muito a geração de monges, e trouxe para uma classe sacerdotal no Zen, uma plêiade de leigos de alta qualidade, que daí então, com sua dedicação, conseguem fazer o budismo progredir. Isso deu ao Zen uma possibilidade muito maior de expansão no Ocidente.  Isso pode ser olhado tanto como decadência, como com adaptação e flexibilidade a novos tempos, porque os sacerdotes casados do Zen deram a este uma força diferente. O que está sendo atingido por isso é só o formato institucional. Se alguém quiser ser um monge celibatário hoje, ele pode fazer isso também. Já tivemos grandes exemplos no século XX mesmo, grandes monges celibatários, que passaram sua vida asceticamente somente trabalhando, vivendo na pobreza, sem casa, como Kodo Sawaki, o mestre sem lar e sem templo, muito conhecido no século XX e muito influente. Então, esse caminho ainda subsiste dentro do Zen.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Não tem importância


Pergunta: Porque que o círculo do Zen, aquele símbolo, não fecha?

Monge Genshô: Pois é. Porque que o “ensô” às vezes não fecha? Porque ele tem uma abertura, ele tem uma liberdade, também. Tudo está contido, mas também não está limitado. Então, tem muitas coisas para nós olharmos nisso.

Pergunta: Monge, quando as pessoas acordam, fisiologicamente, nem todas acordam de uma vez. Eu por exemplo sou preguiçoso, acordo, durmo de novo, acordo...o despertar pode ser assim também? Num dado momento, perde-se a carteira...eu posso falar assim: “eu posso perder a carteira”. E num outro momento, eu desesperar pela perda da carteira?

Monge Genshô: Pode.  Tanto nós podemos crescer, evoluir, ter clareza, como podemos ter momentos de obscuridade. Isso acontece com todos os praticantes. Então, o primeiro estágio, na realidade, de realização espiritual é a compreensão, “Ah, eu compreendi, claramente, que é um jogo. Eu sei que tem que resolver, mas ainda assim, eu caio nas emoções. Eu sei que é bobagem, eu sei que é orgulho meu, eu sei que é vaidade ou qualquer coisa assim, e aí alguém diz alguma coisa que me incomoda e eu reajo.” Depois eu digo: “Como? Como, se eu sei que esse é um sentimento tão tolo? Como é que eu reajo assim? Como minha prática é ruim”! É o que você pensa. Mas, na realidade, o seu professor diz: “Ah, você vai muito bem! Você entendeu isso! Você está entendendo”. E continua tropeçando. Continua errando. Isso é bem característico do quarto passo, no caminho do texto dos “dez passos do boi”. Essa é a decepção do praticante consigo mesmo. Isso dura até o sexto passo.

Agora, quando você chegar a um ponto em que realmente os acontecimentos que fariam você se perturbar não chegam mais a balançar você, então ocorreu um grande progresso. E existem níveis mais altos ainda. Existem níveis de realização espiritual em que você vê na pessoa, nos pequenos gestos da pessoa, sua realização espiritual. Como anda, como come, como fala. Está tudo ali. Alguns praticantes se encantam com o lado da forma no Zen. É bem característico também nos monges,  não são diferentes de praticantes leigos. Apenas fizeram votos a mais. Só isso. Não são seres extraordinários.

Mas há alguns que, como falta alguma coisa a nível de realização espiritual, passam a se concentrar na forma, porque a forma é mais fácil. Acenda a vela assim, ande desta forma, olhe assim, faça esse gesto desta maneira, etc. Então, tornam-se especialistas na forma, porque falta algo mais. Não conseguem fazer outra coisa, então a forma torna-se tudo. O que é preciso, na verdade, é um equilíbrio. A forma mostra muita coisa, mas o excesso da forma mostra outra coisa. A frase que eu mais ouvi de Saikawa Roshi, no início, quando eu estava praticando com ele e fazia coisas erradas e, depois, chegava para ele e dizia assim: “Mestre, eu queria lhe pedir desculpas pelos meus erros”. Ele olhava para mim, ria e dizia: “Não tem importância”.  E não tem mesmo importância. Eu ouvi tantas vezes “não tem importância”, que adotei o “não tem importância”. Então, eu sempre digo para vocês, “ah, não tem importância, a gente corrige, não tem importância”.

Tenho dez erros. Quantos a gente corrige? Corrige dois. Não corrija mais. Não corrija muito, porque se corrigir muito, a forma vai esconder a verdade. Você tem que deixar os alunos errando. Porque quando você olha o erro, você percebe quantas coisas tem naquele erro. Quanto tem? Quanto tem na voz, quando está recitando? Porque? Como é cada detalhe da atitude?  Se você corrige tudo, haverá um disfarce. Você diz: “Ah, os alunos devem andar sempre em shashu dentro da sala de Buda. Aí você dá a instrução, depois, você observa. De vez em quando, alguém esquece e anda balançando os braços. Aí, você não diz nada. Porque isso é um excelente termômetro.  Se você disser muito, você não vai ver mais. Porque debaixo da casca da forma, vai estar ainda fervendo a distração. A mente turbulenta vai estar lá. Não vai estar manifestada, porque ficou muito bem escondida, através de uma forma muito treinada, muito policiada. Nós temos que ter essa visão de caminho do meio nestas questões.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Qual é o problema? Não há problema


Pergunta: - Monge Genshô, essa questão de que todos já são Budas, todos já estão iluminados, se está sentado em zazen, já é um iluminado, etc, É como a analogia de que todo mundo aqui está nu, mas está com a roupa por cima. Então, ou seja, é uma coisa que está dentro da gente, mas tem alguma coisa sufocando, que tem que ser perdida. Essa analogia é válida para esse caso?

Monge Genshô: Todas as analogias têm limites. Quando a gente diz “todos já são Budas”, na realidade nós queremos dizer que todos já são Budas “em potencial”. Não são Budas mesmo. Estão se manifestando como Budas, nesse instante. Então, num certo olhar, nós podemos dizer que “sentar-se é iluminação”. Mas, do outro lado, também não é ainda a iluminação.

Aluno: Mas teria que acender alguma coisa? Teria que tirar alguma coisa?

Monge Genshô: Na verdade, não tem que tirar nem tem que colocar nada. É apenas uma mudança de perspectiva. É como encontrar a carteira perdida. Ela sempre esteve ali dentro do carro, escondida em baixo da mochila da Rachel. Ela estava lá. Todo tempo. Ninguém sabia que estava lá. Então, todos os motivos para preocupação, incômodo e tudo mais estavam só na mente. No momento que você encontrou a carteira perdida é um momento de acordar. Acordou de um sonho. Os sonhos todos construídos, todos os telefonemas, todas as burocracias, todas as coisas. Todos os prejuízos que estavam implícitos se dissolveram instantaneamente.

Então, nós só não estamos iluminados porque não enxergamos o que é a iluminação em si. Porque estamos jogados dentro de um sonho e acreditando no sonho. Acreditando no sonho do eu, acreditando no sonho dessa vida, com medo de morrer, com medo de perder seres amados, com todas as implicações decorrentes do existir. Nós estamos ali. Se nós acharmos o que estava perdido, é instantâneo. Então, a iluminação, o despertar é um processo instantâneo. Quando você acorda, aqueles problemas que pareciam problemas não são problemas. Mesmo no episódio que eu contei. É o mesmo problema, os problemas continuavam exatamente os mesmos, o que mudou foi que, sentado no zafu, eu percebi que eu posso perder tudo. Qual é o problema? Não há problema.

É como o mestre que estava numa cidade que foi invadida por um exército, e um general entra no templo e fica indignado porque ele não tem medo. Está só sentado lá em zazen, quando o mundo todo está pegando fogo e pergunta para ele, com a espada suja de sangue: “Você não vê que eu posso matá-lo nesse instante”?  E o mestre responde: “E você não vê que eu posso morrer nesse instante”? Eu posso morrer nesse instante. Grande coisa, que você pode me matar nesse instante! Grande coisa! Então, essa visão, essa perspectiva é a perspectiva da iluminação. Aquilo que é problema, não parece problema. É só isso. Por isso, toda agitação e angústia podem se dissolver, se tem problema, passado algum tempo, ele estará resolvido. É questão de tempo, e se não estiver resolvido, se for uma questão de doença por exemplo, não se resolverá, tenho uma doença que não tem jeito, aí eu morro. É, morro, sim, morro. Tá certo. Grandes problemas dos apegos que eu tenho. Não tem problema. Os apegos também se dissolverão. “Ah, se eu for embora o que será da minha família”? Todas as famílias sempre sobreviveram à morte dos entes queridos. Morre e aí continua. A família continua. Pode ser diferente? Pode. Você é que olha de uma perspectiva que faz as coisas diferentes do que elas realmente são. E, por isso, bastaria andar passo a passo.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Eu POSSO perder tudo

Quadro de Eduardo Salinas

 (continuação)
Muitos anos atrás, eu estava numa empresa e era sócio minoritário, tinha uma pequena parte de uma empresa, para a qual eu fui convidado por um proprietário que tinha outras fábricas. Isso foi no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. E, resumindo a história, num belo dia, nós estávamos exportando e eu fui no Banco do Brasil para receber um contrato de câmbio, e fui informado que o proprietário das empresas tinha retirado todo o dinheiro no exterior, na Alemanha, e nos deixado sem as receitas das exportações que tínhamos feito. De repente, eu entendi que tinha sido um grande golpe, um grande desfalque. Ele estava mal e resolveu receber todo o dinheiro dos contratos de câmbio e ficar no seu país de origem, na Alemanha. Eu perguntei a um advogado o que eu poderia fazer e ele disse que até que nós conseguíssemos resolver, conseguíssemos eventualmente receber alguma coisa desse desfalque, tudo já teria quebrado aqui, que não valeria a pena e a expressão usada por ele foi “colocar dinheiro bom em cima de dinheiro ruim”. Você vai gastar dinheiro e não vai obter nada.

Então, simplificando, eu era avalista da empresa e, naquele momento, vi que perderia tudo: nome, crédito, empresa, tudo que tinha sido construído durante alguns anos. Eu voltei pra casa pensando: “Bom, desabou tudo. Tudo que eu construí, como diretor de indústrias, etc e tal, se desfez agora, porque eu vou ser conhecido como alguém que estava numa empresa que faliu”. Até que você explique que seu sócio fez um grande desfalque, isso não soluciona nada. Então, fui dirigindo até que cheguei em casa e pensei: “o que eu posso fazer se eu vou perder tudo, meus bens, minha casa, tudo mais? Como eu vou explicar isso? Então, eu fui até o meu quarto e tinha um zafu. Aí eu peguei o zafu (almofada de meditação), fechei a porta do quarto, coloquei o zafu no chão... é, não tem solução ... então me sentei em zazen. Isso foi na década de 80, faz mais de 30 anos. Sentei no zafu e olhei para porta fechada. E não levou muito tempo. De repente, eu percebi uma coisa muito simples: eu vou perder tudo, mas eu POSSO perder tudo. Eu tenho a capacidade de perder tudo. Essa simples idéia “eu posso perder tudo e eu posso construir tudo também. Eu sou livre, sou completamente livre para perder tudo. Eu posso perder tudo: carro, casa, nome, crédito, qualquer coisa. Eu sou livre para perder”. Aí, me levantei do zafu, entrei no carro e voltei para o Vale dos Sinos. Falei com cada um dos credores da empresa e passo a passo, comecei vendendo estoques, devolvendo máquinas, etc., fazendo uma coisa depois da outra. Eu resolvi tudo. Consegui resolver absolutamente tudo. E isso aconteceu porque eu pensei “Sim, eu posso perder tudo. Eu tenho condição de perder tudo”.

É mais ou menos como perder a carteira com todos os documentos. O que que você tem que fazer? Passo a passo, fazer cada documento de novo. Só isso. Ligar, bloquear, etc. Fazer tudo de novo, passo a passo. Tudo você conseguirá. É como morrer, também. Receber uma notícia de que tem uma doença terminal. “Ah, eu sei que vou morrer”. Como eu contei ontem, daquela aluna que veio aqui em janeiro, aqui em Florianópolis e falou comigo: “Monge, eu vou morrer esse ano. É a terceira reincidência e eu sei que eu vou morrer. O que que eu faço”? Simples, vamos preparar para morrer. Vamos nos sentar em zazen e nos preparar para ter uma boa mente para morrer. Não é tão complicado. É passo a passo, simplesmente continuar andando para a frente, porque se você andar para a frente, dez trilhões de léguas, encontrará a si mesmo, no mesmo lugar. Nós temos a capacidade de encontrarmos a nós mesmos, além dos sonhos e dos jogos todos da vida. Só ir andando e resolvendo as coisas à medida  que aparecem.

É como no sesshin. Eu estou fazendo zazen, está difícil fazer esse zazen, está doendo a minha perna. Está bem. Depois tem kinhin. Posso esperar pelo kinhin, aí, relaxo. Então, zazen de novo. E basta fazer um zazen de cada vez. É só esse. Só mais esse. E, agora, mais outro. Depois, mais outro. Depois, o outro dia. Só isso. Nenhum dos seres que estão aí fora fica olhando no calendário. Os pássaros, os peixes, as plantas, eles não olham no calendário. Eles vivem um dia de cada vez. Então, a única coisa que nós precisamos fazer é dar um passo.

Meu grande problema, no evento que eu contei para vocês, foi toda a imaginação. Tudo o que eu imaginei, naquele trajeto até Porto Alegre, dirigindo e pensando “vou perder tudo”, foi horrível. Me lembro até hoje. Mas, depois que eu vi que tinha capacidade de perder tudo, então, pude voltar e resolver tudo. E também todos os problemas se dissolveram na minha frente.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Perder tudo



 (continuação)
Então, a diferença que separa a angústia existencial, o fato de não sabermos onde estamos ou para onde vamos, da realização completa, da iluminação, é apenas um fio de cabelo. E que distância tão grande! Nos textos se diz que é a distância entre o céu e a terra. É uma enorme distância e, no entanto, é só um fio de cabelo de diferença, na percepção dos fatos, no que realmente é.

Ontem, nós tivemos uma experiência muito interessante. Minha esposa perdeu a carteira, com todos os documentos, logo antes de nós chegarmos no sesshin. Então, tinha dinheiro dentro, talão de cheques da comunidade, carteira de motorista, cartão de crédito. Tinha tudo na carteira e ela perdeu a carteira. Aí nós voltamos no local, onde ela provavelmente teria perdido a carteira e nós não a achamos. Voltamos duas vezes no local, voltamos para casa para procurar, etc. Então ela pensou: “Bom, acabou meu sesshin, não posso mais ir com isso na cabeça. Eu tenho que ir para casa, telefonar para os bancos, cancelar os cartões, etc e tal, bloquear os cheques, fazer isso, fazer aquilo”. E a cabeça em chamas com esse problema. Aí, chegamos aqui, fomos tirar as coisas de dentro do carro e, de repente, ela achou a carteira dentro. É como...comentando depois...é como uma bolha de sabão que estoura. Toda aquela imaginação, todos os problemas, todos os telefonemas, tudo, tudo, tudo, o incômodo de emitir documentos novos, carteira de identidade, carteira de motorista, tudo aquilo que ela imaginou se dissolveu em um instante. Muito interessante.

Como é que dentro da nossa mente, nós construímos um mundo inteiro, não é? E, um fio de cabelo separa todo o céu e a terra. O paraíso e o inferno. Um ligeiro, pequeno evento pode mudar tudo. Transpondo para o nosso problema, do ponto de vista espiritual, a nossa atitude mental é de que perdemos. Perdemos tudo. Perdemos todas as construções, tudo mais, estamos perdidos e então sentamos para nos encontrar. Mas esse “nos encontrar”, ele pode ser tão repentino e solucionar tudo tão completamente, como de repente achar a carteira perdida com tudo dentro. E todo o processo se dissolver instantaneamente. A iluminação é assim. A iluminação é um processo em que você vê a fantasia construída de tudo na vida. Todas as coisas, todas as angústias, todos os medos, todas as paixões, tudo...você consegue ver claramente a sua insubstancialidade. É insubstancial e pode ser dissolvido num estalar de dedos, numa pequena percepção. (continua)

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Dez trilhões de léguas


(Palestra em retiro, decupada da gravação por Rachel San)
Há um dito antigo no Zen que diz que para encontrar a si mesmo, você deve andar dez trilhões de léguas para frente. Na verdade, se nós chegarmos agora no século XX e compreendermos a teoria da relatividade – que é a que funciona para as grandes coisas do universo – nós veremos que, de repente, o sentido desta frase “dez trilhões de léguas para frente” tem um sentido na física moderna. Se você andar em linha reta um período suficientemente grande, você retornará ao ponto de partida. É como se o universo em si mesmo fosse curvo.

Por isso é muito interessante para nós olharmos pra dentro de nós mesmos e tentarmos entender o que estamos fazendo. Por que nós viemos para um sesshin? Porque no fundo, no fundo, nós queremos encontrar a nós mesmos. Ninguém vem para o sesshin, senta de frente para a parede tão determinadamente, muitas vezes perguntando a si mesmo: “Por que eu vim pra cá”? Por que eu estou aqui ou por que eu repito isso?  Por que eu venho de novo?”

Eu me lembro que no início da minha prática, cada vez que ia para um sesshin, eu sentava e me perguntava: “Mas, por que que eu vim de novo para isso? Eu detesto isso! Eu acho terrível ficar sentado tanto tempo, me doem as pernas, é desconfortável, não sei porquê aqui estou eu de novo.  Não consigo evitar”. E na minha vida, de certa maneira, continua até hoje. Não com essa sensação, porque eu não tenho mais a sensação de “por que que eu estou aqui”. Isso é a minha vida mesmo. Mas quando alguém liga de uma cidade nova e diz assim: “Ah, eu estou aqui em Sorocaba” - disse um senhor para mim esses dias. “E nós criamos um zendo aqui”. E me mandou uma foto com o altar e zabutons e zafus enfileirados. “E nós estamos sentando em zazen, só que nós não temos um professor, nós não temos uma vinculação e nós queríamos nos vincular ao Daissen-ji. Nós queríamos nos vincular ao Senhor.” Eu não posso dizer que não. “E o senhor viria até aqui”? “Claro, vou sim, nós podemos organizar isso.”

E então respondo isso e depois vejo que minha agenda está ficando ocupada de uma maneira muito grande. Então fico pensando como é que eu vou fazer para ter outros monges que possam ir a esses lugares, para continuar isso, porque é impossível cuidar de vinte sangas. Não há tempo hábil pra isso.

Então nós nos perguntamos porque estamos fazendo uma determinada coisa, porque estamos andando para frente. Mas é que, no fundo, a única maneira de encontrarmos a nós mesmos é andando para frente. Então, nós viemos ao sesshin, sentamos e olhamos para a parede. Para onde estamos indo, se estamos tão parados? Nós estamos tentando andar dez trilhões de léguas para frente. Só que aquele que andar dez trilhões de léguas para frente, encontrará a si mesmo e estará de novo sentado ali, olhando para a parede

E nós perguntaremos: “Por que? Por que faz isso? Porque precisava encontrar a si mesmo, se já estava ali”? Sim, nós estamos ali, esse ciclo já está todo completo. O difícil é entender o ciclo, é entender esses dez trilhões de léguas. O ciclo se completa em si mesmo, sem início nem fim, como um anel. Em qualquer ponto dessa trajetória, nós já nos teríamos encontrado. Já teríamos encontrado a nós mesmos. Por que é que nós sentamos para encontrar a nós mesmos, se nós já estamos aqui e, se o final do caminho é isso mesmo? Esse é um verdadeiro “koan” para nós resolvermos. Porque já está tudo presente, tudo completo, tudo perfeito. Já estamos vivos, já temos nossos corpos, já temos nossa mente, já estamos sentados como Budas. Se já estamos assim, se tudo já está realizado, por que precisamos realizar? Por que precisamos andar para a frente? Por que precisamos praticar? Esta pergunta, levou Dogen do Japão para a China. Por que? Se nada falta, por que nós procuramos algo para nos completar?
(continua)

terça-feira, 22 de julho de 2014

Vida correta



Pergunta – O que o senhor entende por um modo de vida correto?

Monge Genshô – É um modo de vida que não cause sofrimento aos outros seres. Uma profissão que não cause destruição e sofrimento. Profissões como caçador ou magarefe não podem ser consideradas um modo de vida corretos. Um modo de vida que ajude os outros seres é um modo de vida correto e que não seja um impeditivo à iluminação.

Pergunta – Esse era o sentido de minha pergunta, trazendo as escrituras para os dias atuais, eu que trabalho na UFSC, não me sentiria à vontade desenvolvendo um projeto para uma indústria química, por exemplo, que causa em geral, muitos estragos à natureza e consequentemente à todos os seres humanos.

Monge Genshô – Você deve decidir. Não tenho uma resposta pronta para resolver essa questão para você. Pode ser que você realize um grande projeto que muda a visão e o modo dessa empresa atuar. Quando Oppenheimer ajudou a desenvolver a bomba atômica, a ideia era de que fossem sacrificados talvez cem mil japoneses e o Japão se rendesse, poupando a vida de milhões de soldados americanos e mais alguns milhões de soldados japoneses. Tendo isso em mente, a bomba parecia algo bom. Depois de jogada a bomba, Oppenheimer pediu demissão. Pairava sempre a dúvida da real necessidade do uso da bomba desta forma, por exemplo, poderiam ter feito uma demonstração do potencial da bomba evitando que pessoas inocentes fossem mortas.

Outro fato que ocorreu após isso, foi uma corrida dos países para construir suas próprias bombas. Você teria que se colocar no lugar de Oppenheimer e se questionar sobre várias coisas, por exemplo, se a Alemanha tivesse desenvolvido a bomba antes dos americanos? É muito difícil de responder, ou melhor, parece fácil dar as respostas, pois quando se está de fora, tudo parece mais simples. Mas é preciso conhecer todas as variáveis. Você, dentro na universidade, desenvolvendo seus projetos terá que pensar o que fazer e mesmo assim, você nunca terá certeza absoluta que sua decisão foi acertada.



Pergunta – Nós que temos então, que pesar entre o absoluto e o relativo, uma vez que não existe o certo e o errado?

Monge Genshô – Dependendo da circunstância as coisas mudam. Matar é errado, mas se para salvar cinquenta mil vidas você tiver que matar um terrorista, por exemplo, isso é certo ou errado? A princípio matar é errado, mas para produzir arroz tem que matar, pois para cultivar o campo você vai matar alguns animais que estão na terra. Não é tão simples. Nos dilemas morais você pode aplicar um princípio que é: “qual o menor mal, para o maior numero de pessoas”? Sempre deverá haver um critério. Por exemplo, estamos num barco e para que o barco não afunde e todos sobrevivam uma pessoa deve pular na água, quem será? Qual o critério? Pode ser, por exemplo, o mais velho. Esse tipo de problema existe há muito tempo, não é verdade? Normalmente é primeiro mulheres e crianças. Por quê? Porque crianças têm mais tempo de vida e mulheres são progenitoras, são as que geram a vida. Nessas decisões sempre pesa um valor que sirva para toda a sociedade e não apenas para um indivíduo.

Pergunta – O carma pode ter um peso menor conforme o nível de esclarecimento da pessoa? Por exemplo, duas pessoas cometem erros que irão gerar carma, o mesmo tipo de erro, porém uma é mais esclarecida, seu nível de consciência é maior, o carma sofrido pelo mesmo tipo de ato será pior, vamos dizer assim, para a pessoa mais esclarecida?

Monge Genshô – As consequências serão diferentes. Quanto mais consciência, mais culpa e mais a pessoa terá a tendência a se punir. Quanto mais inconsciência, menos consequências morais. Um índio, por exemplo, que vive na floresta e necessita caçar para alimentar sua família, é diferente de uma pessoa da cidade. Mas o ato em si tem um peso por si mesmo, ou seja, mesmo que você não esteja consciente que seu ato é errado, ele gera consequências. Pode não ser a mesma consequência de alguém que se sinta culpado, mas o ato gera consequência da mesma forma. Outra coisa importante é que o fato de você não se lembrar do ato, não significa que não sofrerá as consequências. Há um detalhe que parece difícil para as pessoas entenderem, existe hierarquia entre os seres. É diferente você matar um médico que salva vidas ou matar um estuprador. Tanto maior é seu crime, quanto maior o prejuízo que você causa à sociedade ou ao mundo como um todo. Algumas pessoas pensam que matar é igual, não é. Por exemplo, quando você vai ao banheiro e lava suas mãos está matando bactérias. Qual o peso dessa sua ação? Baixíssimo, pois é mais importante que você tenha suas mãos limpas para não contaminar outras pessoas. Por isso existe uma relação de grandes crimes que causam grande marca carmica, matar o pai, matar um Buda, ferir um Buda ou um Bodhisattva e causar cisão na sangha.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Santidade e iluminação


                                                      (Quadro de Eduardo Salinas)

Pergunta – Um monge é um Bodhisattva?

Monge Genshô – Não exatamente, ele faz votos e tenta ser. Em muitas tradições existe uma distinção entre professor e monge. Na tradição Tibetana, por exemplo, Lama é professor e não necessariamente um monge. O professor não precisa fazer os votos de monge. Nas escolas japonesas, há mais de cento e cinquenta anos, os monges passaram a se casar, talvez por isso fique mais difícil distinguir o monge do professor nessas escolas. A maioria dos monges não é professor.

Em um monastério por exemplo, admitem-se muitas pessoas, porém, uma pode haver uma pessoa com grande vocação monástica, que pode trabalhar por exemplo, recolhendo lenha, mas que pode não ter o conhecimento necessário para ser um professor. Acontece às vezes de uma pessoa ter sido monge por um período, depois larga o manto, mas continua estudando e torna-se professor. O monge é que faz os votos e encontra-se dentro de uma carreira sacerdotal.

Pergunta – E o Bodhisattva, é?

Monge Genshô – O Bodhisatva em uma tradução literal significa “ser iluminado (que gerou uma mente de compaixão)”. Satva significa ser, e Bodhi iluminação ( decorrentemente compassivo). Alguém que se dedica a libertar os outros. Pode ser qualquer pessoa, não necessariamente um monge.

Pergunta – Mas, quando no budismo se fala de alguém que ajuda os outros a atravessar a margem da ignorância, ele faz isso de forma consciente. Isso faz com que ele seja igual a quem ele ajuda?

Monge Genshô – Ele faz o voto de não ficar na margem da sabedoria enquanto tiver pessoas no lado da ignorância. Ele se sacrifica pelos outros.

Pergunta – Isso não significa um ser iluminado, ele apenas fez o voto de ajudar outros seres?

Monge Genshô – Um Bodhisattva tem pelo menos um grau de iluminação. Quando nos referimos a Buda, falamos de uma iluminação completa. Um determinado grau de iluminação não é algo tão difícil de ser alcançado e significa que a pessoa atingiu uma grande compreensão, lucidez e clareza da mente. Mas isso é apenas o primeiro passo.

Pergunta – Esses poderiam ser os homens santos?

Monge Genshô – Não necessariamente, pois santidade não significa iluminação. Você pode ser muito puro, virtuoso, não ferir ninguém, ajudar as pessoas e ser um santo, porém, não ter nenhuma clareza. Ainda está preso a uma grande ilusão e espera obter algum tipo de recompensa, por exemplo, espera que com seus atos esteja agradando algum tipo de divindade com o fim de obter um lugar em alguma espécie de paraíso. Como está preso numa situação de fé, ainda não é lucidez.

O Zen não pretende formar santos, existe até um ditado que diz que “a santidade cheira mal”. Um Bodhisatva não tenta ser santo, ele quer ajudar os outros seres que sofrem. 

Pergunta – O isolamento, como o do eremita ou em monastérios, não seriam então ato de Bodhisattvas?

Monge Genshô – Retirar-se do mundo torna as coisas mais fáceis e é comum uma pergunta entre esse tipo de praticantes que é: “Será que ainda tenho os desejos e apegos”? Como ele está afastado do mundo não existe a oportunidade destes sentimentos surgirem.

Pergunta – Quando fazemos retiro, o ambiente que estamos vivendo faz surgir um sentimento de pureza muito grande que não permite que surja esse tipo de sentimentos, digamos, mundanos.

Monge Genshô – Exatamente, como não existe inclusive a comunicação em razão do voto de silêncio, tudo vai desaparecendo, o desejo sexual, a gula, os atritos, mas isso é um mundo criado para o retiro, é uma vida artificial.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Consciente e inconsciente


Pergunta – O senhor falou da questão na anestesia do funcionamento da mente, e eu fiquei pensando no inconsciente. O quê o budismo fala da relação do inconsciente com o consciente?

Monge Genshô - Essa é uma divisão que foi criada na psicologia ocidental. Para quem faz zazen, você começa a integrar inconsciente com consciente tantas vezes, que isso nunca apareceu no budismo. No budismo nós dizemos “a mente”. Consciente e inconsciente andam juntos. Porque os conteúdos do inconsciente surgem para você no zazen, e você enxerga, é capaz de sonhar acordado, e ver, então não existe essa distância. Inconsciente reprimido, lembranças recalcadas, não, tudo, tudo aparece junto explícita ou simbolicamente.

Pergunta – Queria que o Senhor falasse um pouco sobre a compaixão.

Monge Genshô - A compaixão é muito diferente da pena, da piedade, a compaixão surge daquele sentimento, “sentei-me com todos os seres, todos os seres estão juntos comigo, todos os seres sofrem, então todos são como eu, eu e eles somos um”. Então se eles sofrem, eu sofro. Isso é compadecer-se. Compadecer-se é padecer junto, sentir a dor do outro junto.

“Nós” é só um grande eu. É um eu ampliado, os países às vezes pensam assim” “nós”. Mas é em relação ao seu país, ou à sua raça, mas “nós” no budismo é: todos os seres e a grande terra. Nem um fora.
___________
O Dharma é um grande presente, ele está em muitos lugares, não só no budismo. Nós devemos procurá-lo ativamente, porque ele não surge da ignorância, ele só surge do esforço e da sabedoria, então, por favor, esforcem-se.

( Final da palestra, decupada da gravação por Rachel San )

terça-feira, 15 de julho de 2014

Eu, meu, minha


(quadro de Eduardo Salinas)

Pergunta – Mas como viver sem planejar, sem ter objetivos?

Monge Genshô - Você traça o objetivo, vai atrás dele, mas você tem que saber que ele é fonte de sofrimento. O segredo é não alimentar nenhuma expectativa.  Eu desejo uma coisa, não consegui, não tem importância nenhuma, você se livrou. Então ter objetivos é necessário, quando se está trabalhando na vida, mas você tem que saber que não pode se agarrar a eles como se fosse sua essência, e se você não conseguir, que horror. Não é assim.

Você agrega as coisas a vocês mesmo. Você compra um vaso bonito e leva pra casa, aí é “meu vaso”. Aí “meu vaso” cai no chão e quebra. A pessoa diz, “ah, meu vaso quebrou”, e sofre. Porque ela colocou “meu”. Se fosse só “vaso”, não teria sofrimento. Se fosse: “comprei um vaso, levei pra casa, vaso. Caiu, quebrou. Vaso quebrou. Juntar cacos, ponto”.

Agora quando você coloca “meu”, pronto.  Por isso que os relacionamentos amorosos são sofridos, porque coloca-se “minha” mulher, “meu” marido”. Você não me deu atenção, você não me cumprimentou, você não se lembrou do meu aniversário, etc., tudo é “meu”, então há muito sofrimento. Quando acaba o relacionamento, perdi “meu” relacionamento, levei um ponta pé. Então há sofrimento. Mas o sofrimento vem de quê? Sempre vem de “eu, meu, minha”. E o "meu" objetivo também é assim, esse que é o problema. Se fosse só “objetivo”, não teria problema.

É mais ou menos assim, a gente vai fazer uma palestra, já fui fazer palestra e não veio ninguém, então o que vamos fazer? Vamos sentar e meditar, porque tanto faz. Vem um vem vinte, é a mesma coisa, tem que ser assim, se não for assim, não funciona.

Aqueles que começam grupos de estudo do zen eu sempre digo: você vai lá, fez um grupo de meditação na sua casa, não veio ninguém, o que é que você faz? Senta sozinho. Qual é o problema? Nenhum problema, eles não são “seus”, todos são livres, não tem problema. Quanto sofrimento por causa de “meu”.

Alguém pega um passarinho, põe numa gaiola e diz: “meu” passarinho. E o passarinho tem que ficar preso na gaiola. E ele nunca quis ficar numa gaiola. Então, melhor tirar os “meus”. Tirar o “eu, meu, minha”.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Desejos


Pergunta – Ontem o Senhor falou do sofrimento, que ele pode ser uma via que abrevia essa conexão. O desejo também? Por exemplo, um Bodhisattva, ele continua desejando?

Monge Genshô - O desejo é, em si mesmo, sofrimento. Por que quando você deseja, tem dois sofrimentos possíveis: você consegue o que deseja, aí logo a seguir percebe que não é bem aquilo que você queria; e o outro é você desejar mas não conseguir, e aí você sofre porque não conseguiu. Então o desejo aquisitivo em si mesmo é sofrimento. A verdadeira felicidade é assim, mãos abertas, não tem problema, tanto faz. É como a banda (uma banda toca no parque onde se dá a palestra) lá atrás, quando ela pára eu digo, “ agora está mais fácil d´eu falar, e quando ela volta, tenho que falar mais alto”, mas, tem alguma coisa a fazer? Nada. Então não preciso desejar que pare nem que comece, nem nada, simplesmente são as condições de agora, o que temos que fazer é aceitar as condições. Então não há que colocar desejo. O desejo na realidade é um problema.

É claro que existem outras formas de desejo. Em sânscrito há muitas palavras para desejo, por exemplo, o desejo de ajudar os outros, é um bom desejo, mas estamos falando do desejo em que você quer algo para você.

Pergunta – Mestre Dogen diz que quando sentamos em zazen estamos como Buda? É uma associação?

Monge Genshô - Se sentamos em zazen somos Buda. Dogen diz isso, que se você senta para meditar você já é Buda. Isso é verdade, porque se você sair daqui agora, roubar alguém, e sair correndo com a carteira dessa pessoa, os outros correrão atrás de você e dirão: “ladrão, ladrão”, e então você diz: “não, não sou ladrão, apenas estava brincando de ladrão, mas não sou ladrão”. Alguém vai acreditar em você? Não, porque quem faz o que um ladrão faz, é ladrão. Mesmo que ele diga que não sabia de nada sobre o roubo, continua sendo ladrão. Mas, aquele que senta como Buda, está imitando Buda, então o que ele é? Buda! Naquele instante em que vocês estavam sentados aqui, em meditação, vocês eram Budas! É isto.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Felicidade é libertação


Pergunta – Eu fico pensando numa prisão, esta própria vida mesmo.

Monge Genshô - O próprio desejo e o sonho daquilo que você quer alcançar é a fonte do seu sofrimento. A melhor maneira de não sofrer é não desejar.

Pergunta – Quando a gente senta em zazen todos os seres também sentam em zazen, e a gente senta para estabilizar, dessa forma então nós também estaríamos estabilizando todos os seres?

Monge Genshô - Você mesmo é um universo inteiro, se você se ilumina, todo o universo se ilumina com você. Cada um de vocês é o centro de um universo inteiro, porque ele surge simultâneamente com o observador, quando vocês sentam para meditar sentam com todos os seres. Se vocês se iluminam, todos os seres se iluminam e toda a terra se ilumina, porque cada homem põe óculos e olha o mundo. Normalmente nós temos óculos coloridos, vamos dizer assim, uma pessoa que está sempre com raiva tem óculos vermelhos, uma pessoa sempre invejosa tem óculos lilás, uma pessoa que vê tudo maravilhoso tem óculos cor de rosa.

Na realidade nós sentamos para tirar os óculos coloridos, para ver o mundo como ele é. O mundo existe, mas ninguém vê a realidade como ela é. Todo mundo a vê distorcida, através de suas opiniões, preconceitos, imagens, formações, personalidades, então todos estão vendo um filme ilusório.
Por isso a palavra Buda vem da raiz “bud”, acordar. Quer dizer “aquele que despertou”, só isso. Ele era um homem como nós, que acordou, e acordar é se iluminar, Por isso o iluminado é maravilhoso, mas não é mágico. É extraordinário, mas não é impossível. Qualquer um pode acordar, porque todos são Budas em potencial. Se estão dormindo, é só acordar. A função dos professores é sacudir os ombros. Um homem está dormindo e tem um pesadelo, e ele sofre, sua, etc. Então você, que é amiga dele, vai lá e diz: “acorda”! E quando ele desperta vê que era apenas um sonho e tem alívio, mas ainda está suado e o coração ainda bate forte. Era só um sonho, havia sofrimento real mas ele acordou.

Então a função dos professores é sacudir os ombros, por isso os professores do Zen são às vezes muito chatos, maus, dizem coisas tão duras, porque o que querem é acordar você. Acordem das suas ilusões, não existem crenças que possam nos socorrer, não existem seres lá fora para nos ajudar, nós é que podemos nos ajudar. Os mestres não são perfeitos, os professores são homens como nós, eles já aprenderam algumas coisas então podem transmitir algo, ou podem talvez sacudir os ombros e dizer “acorda”, mas quem acorda somos nós. Então todos somos Budas, em potencial, por isso precisamos sacudir seus ombros e dizer para não se agarrarem em crenças ou ilusões, nem em anjos, nem em demônios, nem em deuses, nem em almas eternas, nem em mundos maravilhosos para onde você vá depois que morrer. Não é assim, a vida simplesmente continua.

Eu gostaria de dar boas notícias, a boa notícia é: “todos podem acordar, e instantaneamente toda a agonia e sofrimento desaparecerão”. Porque você pode se agarrar em algo e dizer que esse algo vai te salvar, mas você continua com medo. Um medo de não dar conta, medo de errar e ser condenado, medo de ser castigado, medo de alguém que está lá fora vigiando você todo o tempo e todos nós somos seres tão errados, não é mesmo?

Na verdade felicidade é libertação, você tem que se libertar de tudo isso e aí então pode ser feliz.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Repetir sem fim é uma prisão


(Palestra numero 4 em Goiânia)
A prática da meditação tem uma função primordial, ela nos estabiliza. Basta nós olharmos os rostos depois, os rostos mudam, ficam mais descontraídos, mais calmos. Nossa vida é uma vida muito estressante, muito agitada.

Meio milhão de anos atrás a gente vivia com medo também, podia sair um tigre debaixo de uma árvore, podia pular um leopardo, então, nossas vidas nunca foram realmente tranquilas. Talvez esse tempo que nós estamos vivendo agora seja excepcionalmente bom, e nós não percebemos. Todos nós estamos alimentados, levantamos de manhã e temos comida. Esse não é um privilégio tão comum assim. Nós temos roupas, não estamos passando frio, dormimos em nossas camas. Até hoje muitas pessoas na terra não têm oportunidade tão tranquila de viver.

Mas mesmo assim nós somos assaltados por medos fundamentais. O medo mais fundamental é esse fato de nós percebermos nossa transitoriedade, o fato de sabermos que nós nascemos e sabermos que nós vamos morrer. E então os homens desenvolveram mil métodos para escapar desse medo e em geral são crenças de que a vida continue de alguma forma, que nós nascemos de novo, que vamos para um paraíso, ou que temos almas eternas que são a nossa verdadeira realidade. E que nós mesmos somos eternos, e que nossos corpos são temporários. Nós queremos pensar assim.

O budismo é a única religião que veio com uma outra abordagem.  Esse “eu” em que nós tanto acreditamos e que nós queremos que viva para sempre, esse “eu” é uma ilusão. Nós sempre fomos a própria vida, sempre fomos eternos em nós mesmos, na nossa verdadeira natureza. Mas este momento, este eu, é uma ilusão provocada pelo nosso funcionamento, pela nossa operação da mente. Por isso, Descartes disse: “Penso, logo existo” para testar o fato de existir, ele disse, “eu penso, então eu existo”, porque existe alguém que pensa.

O budismo não diz isso, o budismo diz algo diferente. “Eu penso, por isso penso que existo”. Pensem um pouco nessa frase. É porque eu penso, que minha mente está funcionando, eu sinto o vento, eu olho o céu, porque eu tenho sentidos, porque eu estou funcionando, eu penso que existo. Quem já fez uma operação e foi anestesiado? Vocês lembram do momento em que foram anestesiados e do momento em que acordaram? O que houve? Nada. Sabe porquê nada? Porque vocês não estavam funcionando, a mente não estava operando e, como a mente não estava operando, então não havia consciência de existência, do momento em que você desmaia ao momento em que você acorda, parece que não há intervalo algum.

Na verdade entre cada manifestação da vida e a próxima, não há intervalo, quando nós morremos, imediatamente acordamos, com outra manifestação ou em outra dimensão, ou em uma vida, só que nós não lembramos quem nós somos, porque para lembrar quem é, precisa-se construir um eu, aí você começa uma nova construção, recebe um nome dos pais, como aconteceu na vida de cada um de vocês. Cada um pensa: comecei do início e construí minha própria personalidade. Só que essa personalidade veio de antes, de alguma forma ela pré existiu, porque não existem efeitos sem causas. Vocês não estariam aqui se não houvessem causas pregressas.

Então vocês têm uma personalidade que surgiu vinda de antes. Então nós podemos dizer: você renasceu, mas não é o mesmo eu. É você, mas não é você. Essa é que é a essência, não existem almas eternas, nem espíritos nem nada assim. Só existe a vida, a vida continuamente se manifestando. Não somos nós que vivemos a vida, a vida é que nos vive.

Nós temos a oportunidade de acordar do sonho e, a cada vida, se nós acordarmos do sonho, nós teremos clareza e lucidez e todo o sofrimento desaparece, por isso, nosso objetivo ao meditar é obter clareza, lucidez e sabedoria, pois essa sabedoria pode nos libertar desse ciclo de repetições, porque na verdade, ficar repetindo sempre a mesma vida com uma personalidade sempre semelhante e repetindo os mesmos erros e sofrendo do mesmo modo, isso é que é um castigo.

Portanto, nirvana significa: extinguir essa chama que tende sempre a se manifestar e integrar-se magnífica e gloriosamente à unidade, de modo que todo sofrimento possa desaparecer, porque ele é inerente à vida. Basta você estar vivo, e vai haver sofrimento, é inerente à vida, não tem jeito.

Então, desejar viver eternamente, repetindo as mesmas coisas, tendo a mesma memória, a mesma personalidade, é que é uma prisão.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Monges e deuses


 (continuação)
Pergunta – Eu queria saber se é possível que uma pessoa que acredite na existência de Deus possa virar Monge Budista, ou isso é uma contradição em termos?

Monge Genshô - Depende. Se esse deus for Thor, o deus viking que fazia os trovões batendo com seu martelo nas nuvens, fica um pouco complicado, porque a gente já conhece a eletricidade, sabe o que é um raio, e o que é um trovão. E por causa disso o deus Thor foi abandonado. Você precisaria me descrever qual é o deus que estamos falando. Se esse deus que você esta falando fosse assim, uma luz infinita que tudo permeia mas que não toma decisão nenhuma nem interfere na vida  dos homens, não teria muito problema. Mas como o budismo nunca fala sobre deus, também não teria que ter discussão sobre o assunto.

Mas se você trouxesse um deus “criador”  esse deus fica complicado, porque um deus criador assim, não vai caber muito bem dentro dos raciocínios budistas, uma vez que automaticamente você vai dizer assim: “mas se esse deus é criador, porque que não fez bem feito”? “Ah, porque havia o livre arbítrio, foi o homem que agiu errado”. E você pergunta: “Livre arbítrio”? Mas se você coloca um elefante dentro de uma loja de cristais você é responsável ou não pela quebradeira? Você vai dizer: “Sou responsável”. Por quê? “Porque sabia o que ia acontecer colocando o elefante dentro da loja de cristais”. Bom, então o deus criador sabia o que ia acontecer? Sabia. Então ele é responsável.

Se você começa a cair em raciocínios desse tipo isso dá uma enorme confusão. O budismo não está interessado nesses debates, porque eles são muito antigos. Essa discussão é muito velha e o deus criador já no tempo de Buda, não era uma consideração válida.

Vejam que o budismo nasceu dentro de um meio hindu, e no hinduísmo nós tínhamos um deus criador, um deus destruidor, tínhamos Krishna, Yndra, Bhrama, ele nasceu num contexto teísta, e o budismo é um rompimento absoluto com o teísmo hindu.

Nasce no meio do hinduísmo e rompe com tudo. Rompe com o sistema de castas, rompe com o sexismo entre homens e mulheres, rompe com os deuses, transforma os deuses em ouvintes de Buda. Então, o rompimento é muito absoluto: “essa é a primeira religião que surgiu sem deuses”.  Depois dela, não surgiu nenhuma religião assim. Então o budismo está isolado como um fenômeno estranho e é interessante porque é anterior à maioria das grandes religiões do mundo.

Pergunta – Monge, uma vez perguntaram pro Dalai Lama se o budismo seria uma religião, e ele respondeu que o budismo poderia ser chamado de uma “ciência da mente”. O Zen encararia o budismo também dessa forma?

Monge Genshô - Está mais próximo porque a palavra “religião” vem da palavra em latim “religare”, ou, em outras versões do latim “religio”. A primeira tem o significado de religar o homem com uma realidade da qual ele está desconectado, mas a declaração do budismo não é essa não, pois nunca estivemos desconectados, nós nunca estivemos separados, você é que não está vendo que é um com tudo. Você pertence a esse universo junto com todos os seres agora, você está perdido na ilusão de um eu e é por isso que você não está enxergando a sua verdadeira natureza, então neste sentido, é uma ciência da mente.
( Final de palestra pública em Goiânia, decupada da gravação por Rachel San)

terça-feira, 8 de julho de 2014

Dogmas e leis universais


 (continuação, palestra pública)
Pergunta – Para o Zen existem leis universais que regem o universo, por exemplo, causa e efeito é uma lei?

Monge Genshô - Parece que é, não é? Pode ser que um físico quântico diga que existam alguns efeitos sem causa perceptíveis, estamos investigando isso mas até o momento, parece que todos os efeitos têm causa e, pelo menos na nossa vida de mente e de carma, todos os efeitos têm alguma causa. Tudo o que acontece com vocês tem uma causa pregressa.

Se existem leis universais? Nós progredimos muito do tempo de Buda para cá em termos de ciência, muito, muito. Bem mais ainda nos últimos 200 anos.  De lá pra cá, quanta coisa mudou. Na minha vida, quanta coisa mudou! Eu me lembro quando cheguei em casa e a empregada me chamou para ver um fogão novo que ela tinha ganhado e que tinha “um ar que saía de dentro e pegava fogo”. Uma coisa extraordinária, porque ate então só tínhamos visto fogões a lenha e, detalhe por detalhe é tão rápida a alteração neste momento, que é difícil acompanhar, é difícil você se informar de tudo que está acontecendo agora, nesse instante em termos de progresso e conhecimento humano.

Nós devemos manter nossa mente aberta e não nos agarrarmos a nenhum dogma. O budismo conseguiu escapar disso, porque ele nunca se comprometeu com descrições do universo, e aí, a cada nova descoberta, não há problema para o budismo. Mas, quando você tem uma religião e ela tem uma cosmogonia e descreve o universo de uma determinada forma, quando você ameaça aquele dogma, parece que o mundo vai desabar, e às vezes a solução é mandar queimar aquele indivíduo que veio com essa história, porque ela é ameaçadora do “status quo”.

Assim, o budismo se salvou desse problema do dogma, e isso é um grande privilégio. E outro grande privilégio é o fato do budismo não achar que tem que convencer os outros a ferro e fogo, então nós não temos na história, uma guerra de conquista budista nesses 2.500 anos e isso é um enorme privilégio. Não que não tenham havido perseguições ou disputas, até entre budistas, isso houve,  mas não uma guerra.

Pergunta – Mais cedo o Senhor se reportou à historia de uma jovem que reencarnou numa família budista porque havia vestido um manto. Eu não sei se era uma historieta mas, se é fato, de onde vem essa informação de que ela renasceu numa determinada família?

Monge Genshô - Não, essa história é uma anedota Zen. Então ela pretende passar um “ensinamento”, de que o contato com o Dharma, mesmo que seja sobre uma forma espúria, tem um bom efeito. Agora, se informações como essa não existem, pouco importa. Aliás, se você acredita ou não em renascimento, não tem interesse. Se entra alguém aqui pela porta e diz assim: “Monge, eu queria praticar o Zen, mas queria lhe dizer que acredito que há homenzinhos verdes que vivem na galáxia de Andrômeda”. Eu respondo: “Muito interessante você acreditar nisso, mas eles por acaso falam com você”? E ele diz: “Não”. E eu digo: “Bom, então não é tão grave, pode sentar”. Agora se ele fala com os homenzinhos verdes, aí devo mandá-lo para outra pessoa, porque não é a especialidade do Zen tratar com psicoses. Então o que uma pessoa acredita ou não, não tem muita importância.

Eu estava uma vez com Saikawa Roshi e um rapaz perguntou: “E Deus”? E Saikawa Roshi disse: “Ah, esse é um assunto não verificável. Se você acredita, está bem, se você não acredita, está bem também”. Não faz diferença, vá sentar. Pratique meditação e, quando tiver lucidez, aí as coisas clareiam, e você não precisa ficar discutindo, argumentando a respeito de coisas como essa.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Mantendo a lucidez


Pergunta – Com relação ao Bodhisattva, ele seria um ser que renunciou à sua extinção para ajudar a nós que estamos deludidos não é? Pensando assim, não seria lógico que esses seres que fizeram essa renúncia seriam uma ajuda para que a gente consiga alcançar a iluminação? Queria entender a relação do Zen com os Bodhisattvas ou esses seres.

Monge Genshô - O Bodhisattva, quando mestre, diz pra você: “o caminho é esse, faça assim, cuidado, tem essa curva aqui que é perigosa, tem essa pedra em tal lugar, leve um tênis para percorrer essa trilha”, mas quem tem que ir é você. No fim da trilha, há uma fonte de água pura, ele jamais vai poder beber por você, é você quem tem que chegar lá e beber. Então os Bodhisattvas, os mestres todos são MUITO úteis, mas de novo, não é algo mágico, nada de extraordinário, não existem seres lá fora que vão nos ajudar. Se existissem seres lá fora que tivessem o poder de nos ajudar, eles estariam ajudando agora sem a gente pedir. Se Buda pudesse nos ajudar, ele ajudaria, não precisaria pedir. Se ele não ajuda é porque ele não pode.

Se você tem um filho e seu filho cai, você espera que ele peça para você ir até ele ajudá-lo a se levantar? Nunca. Vocês acham que são piores que os Budas? Não, não são. Então se nós caimos e tropeçamos e temos doenças e tudo mais, para quem lá fora nós vamos pedir que nos ajude? Para ninguém.

Eu tenho um neto com leucemia. Quando eu era criança e uma criança tinha leucemia, as famílias rezavam e oravam para todos os santos e deuses, e 100% das crianças morriam. Hoje, 85% das crianças sobrevivem a leucemia, porque há quimioterapia, há transplante de medula. Para quem nós devemos agradecer? Porque as orações continuam sendo feitas hoje. E as orações eram feitas ontem. A diferença é a quimioterapia. Eu tenho que agradecer aos médicos que criaram a quimioterapia. Aos laboratórios. Aos que se empenharam para vender uma cura, seja qual for o seu interesse. É a eles que eu tenho que agradecer. Porque as orações são as mesmas do passado.

Em geral as pessoas não gostam de ouvir isso no Zen. As pessoas fazem esse tipo de pergunta e dou esse tipo de resposta e fica todo mundo meio apático e surpreendido. Mas é a pura verdade. Então nós jamais vamos até Buda e oramos para ele e pedimos que providencie isso ou aquilo. Jamais fazemos isso no Zen, porque Buda morreu faz muito tempo, está extinto, quem pode mudar as coisas somos nós, nós podemos mudar o mundo, nós que temos poderes para mudar o mundo, não eles.
O mundo é extraordinário, andar sobre o chão é extraordinário, falar e ouvir é extraordinário, que nós tenhamos corpos que funcionam é extraordinário, que tenhamos mentes que pensem, que exista chá e que eu possa beber, isso é mágico, é profundamente mágico.

Como as pessoas não vêem o extraordinário e o mágico que está presente na vida a todo instante, a todo momento, querem procurar o algo mágico fora, não precisamos do algo extraordinário, porque é mágico demais o que já está acontecendo aqui e agora nessa sala.

A iluminação é extraordinária? Sim é extraordinária, mas é uma coisa tão comum e tão simples e está ao alcance de todas as pessoas, é só uma questão de esforço, de empenho. A iluminação é possível aqui e agora, como era possível para Buda. A libertação é possível, ser um Bodhisattva é possível.

Pergunta – O senhor comentou que não adianta a gente pedir ajuda externa e tenho uma dúvida no sentido de que, se tem uma pessoa doente, os familiares se reunirem para fazer uma oração, ou para rezar e canalizarem, isso existe no Zen?

Monge Genshô - Eu acho que existe na natureza não é? Porque o que acontece é que você pode pegar as pessoas, grupo de controle, como o exemplo que eu dei da leucemia. Funcionava antes? Funciona agora? E você vê as diferenças. A diferença foi quimioterapia, a diferença não foram as orações, as orações são as mesmas, e antes não funcionavam. Foi o que acabei de explicar. Agora você me diz assim: “ nós estamos no Zen Monge, se alguém lhe pede para fazer uma oração para alguém que está doente, o que o Senhor faz”? Eu oro.

Morre um amigo, acendo um incenso, recitamos sutras nós fazemos isso. Porque fazemos? Porque se todas as coisas estão conectadas , não sei todos os efeitos, eu não preciso nem dos efeitos para fazer isso. Porque nós oramos nos funerais? Pelos vivos. Porque fazemos funerais? Porque os vivos precisam dos funerais, não são os mortos. Compreende? Então nós fazemos orações sim, recitações sim, cerimônias sim. Mas você tem que entender “como” é, não perca a lucidez, não pense que é mágico, não diga “nós oramos aqui, fizemos uma cerimônia, não precisa mais de médico”. Não.
É como um paciente que chega no seu consultório e que está com dor de dente e diz que vai fazer uma oração que recebeu para uma santa. Que não quer o tratamento. O que você faz? Nada, porque a dor vai fazer o seu trabalho sozinha. Amanhã ele volta.

De um lado no Zen, nós não queremos perder de vista nossa lucidez, de outro, nós não queremos jogar fora o que há de místico dentro da humanidade, o que há dentro do espírito humano.
Esses dias falei com um amigo que foi à cidade de Colônia na Alemanha, e lhe disse: “visitastes a catedral, subiu a torre”? E ele , “sim, 160 metros”! 700 anos pra construir. Eu vou chegar na frente da catedral e dizer: “essa poesia em pedra é uma tolice”? Ou eu vou dizer: “que obra magnífica do espírito humano”! É magnífica sim e aponta para o céu.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Palavras com poder


Pergunta – A questão do Sutra do Coração da Sabedoria, gostaria de saber se ele é uma oração e se for uma oração, o Budismo Zen concorda então que as palavras podem ser mágicas ou podem causar transformações nas pessoas como os mantras ou são apenas rituais de lembrança?

Monge Genshô - Várias pressuposições na pergunta. O sutra é uma oração? Não, o sutra não é uma oração, o sutra é um ensinamento que você repete para se conscientizar dele. É isso que o sutra é. O Sutra do Coração é um resumo de uma idéia que perpassa os sutras da coleção “Prajna Paramita”, que são  cerca de 600. Então é o sutra do coração do Prajna Paramita, o sutra do ensinamento que é o cerne, a essência, dos sutras da coleção Prajna Paramita. É o “Sutra do Coração da Sabedoria”, e não o sutra do coração apenas.

Orações funcionam? Funcionam sim. Na verdade, se você tiver fé, acreditar profundamente numa coisa e repeti-la com fé, ela vai funcionar. Poderia ser coca cola. Se eu acreditar que funciona, coca cola, coca cola, coca cola. Quando ninguém mais souber o que é coca cola, coca cola é um mantra e funciona. Na realidade somos nós que fazemos essas transformações. As palavras têm poder? Sim as palavras têm poder. Por que é que as pessoas dizem palavrões? Porque acham que os palavrões têm poder, que eles vão funcionar. Eu disse ontem à noite,  que há anos, bastante anos, eu não digo palavrões. Nenhum palavrão. E alguém perguntou: e se o Senhor levanta à noite, bate com o dedinho no pé da cama, o que é que o senhor diz? Eu digo “burro, como tu és burro”, porque se tem alguém que eu deva insultar, sou eu mesmo. Então eu uso essa estratégia. Porque acredito que os palavrões são mantras ao contrário, levam nossa mente a más associações.

Tem um texto que eu escrevi uma vez, sobre uma idosa amiga minha, ela era espírita, e dizia sempre: “paz, luz e amor para você”. E isso era o que ela repetia para todo mundo, todo o tempo, e ela se transformou numa pessoa muito especial. O nome dela parecia com o que ela se transformou, com a imagem que eu tenho dela, “Celeste”. O que eu vejo? Que ela repetiu aquilo tantas vezes, que aquilo se incorporou nela. Há pessoas que pensam que se elas falarem palavrões elas são interessantes. Então elas dizem coisas abjetas, baixas, sujas.  Achando que estão fazendo algo bom, que estão sendo interessantes ou enfáticas. Não, elas não estão sendo enfáticas. O que elas estão fazendo é trazer o que há de mais baixo para cá, para junto delas, as idéias, os pensamentos associados aos palavrões.

Originalmente o palavrão era um mero som, mas ele foi transformado através da repetição e da intenção, naquilo. As palavras como paz, luz, amor, também foram transformadas pelas pessoas, pela sua prática, pela sua repetição. Vocês têm escolha de qual é o mundo que vocês trazem para junto de vocês. Essa amiga acreditava que os espíritos de luz vinham para junto dela. Então se nós pegarmos essa imagem, nós dizemos que os espíritos de escuridão, a maldade, os criminosos, eles vão para junto dos que falam coisas insultuosas, porque onde é que eles falam a pior linguagem?  Não é nos lugares onde estão os criminosos? Por que é que nós vamos usar a linguagem dos criminosos?

Então, orações têm poder, mantras também, palavrões idem, boas palavras também. E, é algo de mágico? Não, não é mágico. Nós é que transformamos essas ações em mágica. Eu dei uma prática para vocês, não foi? Falem com aquelas pessoas que ninguém olha, agradeçam. Esse agradecimento de vocês é como uma oração, e muda vocês e aquela pessoa e o mundo, então, não tem mágica nenhuma, mas é profundamente mágico.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

As regras, o zen, o tempo



 (continuação)
Bom, a prática espiritual é constituída dessas coisas. Aumento da nossa consciência e aumento da percepção dos outros, o que acontece com os outros, como os outros sentem. E quem sou eu realmente como eu sinto, ao invés de fugir do mundo, tentando escapar para o mundo dos deuses ou para o mundo de obscurecimento, porque quando eu bebo, eu não tenho mais clareza. Agora quando eu sento e procuro a lucidez, aí sim a lucidez pode aparecer. Mas ela não pode aparecer com o uso de substâncias que alterem a consciência. Então nós temos cinco regras básicas, para o praticante leigo budista.

Começamos com cinco regras, depois, quem faz votos, tem que fazer 16. Antigamente as regras para monges chegavam à casa das centenas. Mas essas são regras do antigo Vinaya que como eu disse para vocês, para o Zen, hoje, não interessam, porque havia regras como por exemplo a de que um monge não devia falar com mulheres e se falasse não podia mostrar os dentes. Então são regras daquele tempo, regras de ascetismo. Outra é que os monges não podiam comer depois do meio dia, então todos os dias do meio dia em diante, jejum. Aí de noite eles tinham muita fome, na China, nas montanhas, era muito frio, então eles esquentavam pedras e colocavam em cima do estômago, para passar a dor e a fome, até que os mestres abandonaram o Vinaya, nas reformas do Zen e inventaram uma refeição da noite que não existe. Ela não existe porque ela não está nas regras antigas, então a gente não faz cerimônia nenhuma no retiro. Agradece, pega a sopa e come. A essa refeição da noite chama-se “pedra quente”. Evidentemente as mudanças trouxeram problemas novos, como uma independência dos monastérios em relação às comunidades leigas, e o envolvimento dos monges com atividades de trabalho remunerado que os foram tornando algo como os leigos. Assim, do mesmo modo que as tradições antigas congelaram visões primevas as regras novas foram afrouxando os laços, é difícil dizer qual o melhor caminho, então é melhor que estas opções convivam para diferentes tipos de pessoas.

 Quando a gente vê as tradições e as explicações, observamos o que surgiu durante este longo tempo  hoje, há um Mestre Zen vietnamita que está na França, chamado Tich Nhat Hahn, e ele escreveu de novo as regras, inserindo regras para computador, regras para entrar nas redes sociais, etc, como é que um monge tem que agir na sua linhagem. O mundo está constantemente mudando e nós temos que mudar junto com ele.


PERGUNTAS

Pergunta – O Senhor ia falar das 5 regras, quais são elas?

Monge Genshô:

Não matar;
Não roubar;
Não enganar;
Não usar a sexualidade de forma imprópria de forma a causar sofrimento;
Não usar drogas que alterem a consciência.

Todas essas regras têm lados relativos que você tem que olhar. Na verdade se diz “não matar”, mas, nós não vivemos sem matar. Até para cultivar plantas você mata animais na terra. Nós não vivemos sem causar sofrimento, então, tudo que nós podemos é minimizar, diminuir o sofrimento que nossa existência causa. Assim, o sofrimento inútil deve ser evitado. O praticante budista tem que olhar se esse sofrimento é necessário.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Um pouco de sofrimento


 (Terceira palestra em retiro, Goiânia 2014)
Há muitos pequenos detalhes na prática do Zen e as questões de postura são extremamente importantes. Não adianta se sentar e ficar observando os outros, ou pensando “ah eu estou quieto, ele se mexeu”. Isso são pensamentos centrados no “eu”. “Eu” estou, “eu” sou, e os outros não.  Essa postura que nós praticamos não é natural. Natural seria ficar deitado, mas deitado a gente dorme, então por isso tem que praticar sentado, com as pernas cruzadas e tem que ser um pouco desconfortável, para não dormir.

Mas o professor está olhando e, quando você dorme, sem querer, a cabeça balança pra frente e pra trás e a gente sabe que ele está dormindo, então, no monastério há um cargo chamado “Jikidô”, ele fica na porta e cumprimenta todo mundo que entra. Ele é o “dono” do zendo, ele troca os incensos nos intervalos e todo intervalo ele pega um bastão de madeira chamado “kyosaku”, mais um menos de 1 metro e 20 e passa atrás dos monges e se um monge está dormindo, ele bate com o bastão em um ponto das costas que tem muitos pontos de acupuntura, ao mesmo tempo desperta e relaxa tensões e muitas pessoas acham o resultado agradável e relaxante.

Mas se for um monge mais importante, mais antigo, ele não bate, mas bate no monge ao lado, e o do lado sabe que está apanhando por causa do superior. E às vezes nós perguntamos: “mas nós podemos bater no mestre”? E o mestre do zendo diz, “todo mundo é igual, se estiver dormindo, pode bater no mestre”! Mas nunca ninguém batia no Mestre, passávamos longe dele. Os leigos são tratados diferentemente, para receber o kyosaku tem que pedir fazendo gasshô (mãos postas).

Nos sesshins há muito mais zazens, começamos às 4 da manhã e fazemos 2 zazens, e, para a cabeça não ter tempo de se perturbar, a gente faz assim: bateu na porta, 20 minutos, vai ao banheiro, bota a roupa, chega no zendo e senta, porque quando o Mestre chegar todos devem estar sentados. Quando ele chega, estão todos sentados, quietos 4:20 da manhã e temos 1:30 de zazen pela frente, e só após é que vai haver a cerimônia, depois o café da manhã, o samu (trabalho) e então voltamos para o zendo para nos sentarmos de novo. E assim vai, senta, e senta. Então eu já fiz sesshin com 16 zazens, até as 22:00, das 4 da manhã às 22 hs. E assim não há corpo que aguente, principalmente se você ficar fazendo as palestras sentado com as pernas cruzadas, e as refeições assim também. E aí o único alívio é o kinhin (meditação andando) ou o trabalho e você dá graças aos Budas e todos os Bodhisattvas que tem trabalho, porque no trabalho você se mexe.

Muitos até gostam de receber o kyosaku, o monge vem e você pede , se inclina para frente, recebe, agradece, então dá para se mexer, não é? Nos nossos sesshins eu costumo ser parcimonioso, então passo bem pouco kyosaku, para o pessoal não ficar pedindo muito. Porque dá trabalho também, você tem que levantar, bater nos ombros de todo mundo que está tenso, e surgem também outras coisas, eventualmente angústia, às vezes as pessoas estão sentadas e começam a chorar, você pergunta porquê e ela não sabe. É só emoção sem saber de onde veio, só as lágrimas correndo. Por isso o rakusu pode ficar  sujo de lágrimas de sangue, então ele pode ficar muito bom, muito precioso por causa disso.

Nós estávamos fazendo um pouco mais de zazens nos retiros, mas quando chega ao ponto de sofrimento excessivo, a dor não funciona mais. Um pouco de sofrimento é bom, para ficar aqui, ter que resolver isso. Mas depois de um certo ponto,  a pessoa só pensa que quer que termine, que quer que acabe, e aí então esse pensamento ocupa toda a mente e não dá mais para sair. Então um pouco de sofrimento é bom, mas não demais.

Mas você não vai conseguir nada sem sofrimento. O sofrimento é o caminho mais curto para a iluminação. Todos os tipos de sofrimento. A gente nota isso na prática. A pessoa tem um problema na vida, aí ele vem praticar, e faz zazen, estuda, e aí a vida de repente fica muito boa, maravilhosa. Se a vida ficou ótima, não pratica mais. Então isso são coisas que acontecem naturalmente com o ser humano.

Dizem que Buda não ensina no mundo dos deuses, porque os deuses vivem vidas muito prazerosas, e são vidas tão boas, tão cheias de prazer, com tantos méritos e carmas tão bons, que os deuses jogam flores no Dharma, mas eles não praticam. Essa ideia de deuses no budismo é um pouco diferente do que a gente costuma pensar. “Os Deuses” para o budismo vivem num reino de grande mérito. Vamos pensar que aqui no nosso mundo seriam aqueles que nascem em famílias muito ricas, sem problemas, tudo sempre foi fácil, nunca tem nenhuma dificuldade, tudo que eles querem aparece. Os deuses no Brasil vão para a ilha de Caras...

Então, eles não têm interesse na prática espiritual, eles querem é ficar distantes das pessoas que têm sofrimento. Quando eles estão nas festas e vem o manobrista entregar o carro, ou qualquer coisa assim, eles nunca olham para eles nos olhos, eles nunca vêem os garis que estão na rua, nada disso. Eu gostaria de dar uma tarefa para vocês, que pode mudar um pouquinho o nosso mundo: quando alguém estiver fazendo um serviço assim, um gari na rua, vão até ele e agradeçam.

Isso pode ser feito também nos banheiros, tem gente que limpa os banheiros e todos fingem que eles são invisíveis. Vocês vão até essa pessoa e digam “muito obrigada pelo seu trabalho”. Vocês vão ter muito boa surpresa porque ninguém faz isso e para essas pessoas isso é muito precioso.
(continua, palestra decupada da gravação por Rachel San)

terça-feira, 1 de julho de 2014

Sumeda e a transformação


Pergunta – O senhor tinha comentado a questão da gente ser santo ou não, mas ao mesmo tempo a gente sempre tem a vontade de uma transformação, mas às vezes, cometemos inúmeros erros e não conseguimos ver os resultados que esperamos.  E então  pensamos: “não está dando certo”. Existe um tempo de transformação?

Monge Genshô -Bom, vamos dizer que um homem muito elevado que nós tivemos na nossa era, foi Buda. Muito, muito tempo atrás, havia um homem chamado Sumeda, ele era um praticante, e ele encontrou um Buda de uma era anterior, chamado Dipankara, e havia uma poça no meio do caminho, e ele se ajoelhou e colocou as mãos assim (ao lado da cabeça),  para receber os passos do Buda Dipankara, que passou sobre o corpo dele. E virou, olhou para Sumeda e disse, “Sumeda, daqui a 500 vidas, você será um Buda”. E esse homem excepcional, 500 vidas de Bodhisattva depois, tornou-se Shakyamuni Buda. Quando ele se tornou  Shakyamuni Buda, ele lembrou-se das 500 vidas, então, não tenha pressa. 500 vidas para Buda!

Mas eu posso dizer uma outra coisa: nessa vida dá pra mudar muita coisa, muita coisa.

Veja monja Sodô, ela esperou 4 anos pra ser Monja, porque depois de 2 anos ela perdeu a paciência comigo, no dia seguinte voltou, pediu desculpas e disse - “Monge eu queria voltar, como eu faço”? E eu disse: “Mais dois anos”. E esses tempos nós estávamos em retiro e ela contou uma história de uma madeira que a gente bate com martelo para chamar os alunos, chama-se “Mopan”, e eu gostei muito da história dela, do que ela gostaria de fazer comigo, conte monja, o que acontecia.

Monja Sodô – Eu sempre batia no Mopan com muita energia, muita força, e muitas vezes eu pensava que era a cabeça do Sensei!

Então, ela batia simbolicamente na minha cabeça com o martelo. O que é interessante nesse processo todo é a transformação de tudo, do sentimento e tudo o mais, porque essa transformação nas nossas vidas é possível, muita coisa nós podemos transformar na nossa vida. Meus sonhos do passado são muito diferentes dos sonhos de hoje, eu costumo ter sonhos muito bonitos, muito bons, porque eu sonho com o Dharma, eu sonho que estou aqui, falando com vocês, que surgiu alguma pergunta interessante ou qualquer coisa assim. Eu sonho coisas assim. No passado, eu sonhava com brigas, dava um soco em alguém e ele não sentia, eu pensava: “minha técnica não está boa”! Então com o tempo você muda o conteúdo da sua mente, vai mudando e se alterando, e aí ela vem e conta essa história, o martelo batendo no Mopan, a raiva que ela tinha de mim, e hoje ela vem e me trás chá com carinho, e se ajoelha, eu acho isso fantástico, que nós possamos construir coisas assim.
Então a prática budista, ela tem um poder transformador, acreditem nisso, porque é a experiência que nós temos vivido em nossas vidas.
Esse poder transformador da prática não é mágica, é técnica, você senta, pratica, modifica sua mente, pode modificar seu inconsciente, seu consciente, suas ações, seu carma, você pode alterar não só a sua vida quanto o mundo inteiro.