quarta-feira, 15 de abril de 2015

SOBRE TRANSMISSÕES


“Daioshô” quer dizer “grande mestre”. “Dai” é grande e “Osho” quer dizer mestre ou sacerdote. A palavra sacerdote não cabe bem no budismo, pois sacerdote seria alguém que faz uma intermediação entre o sagrado e o homem, que tem habilidade de fazer isso. Para o budismo não existe nenhum intermediário entre o homem e o todo, o universo, ou qualquer outra coisa que nós quiséssemos nomear. Não existe uma necessidade de um intermediário e o monge não é um intermediário. O monge é apenas alguém que fez votos ou recebeu autorização para ensinar, mas não é um intermediário. Qualquer um, sentado no seu zafu, pode se iluminar. Pode se conectar com o todo e esquecer-se de si mesmo.

Então, na linhagem que lemos, o primeiro nome que vem depois de Shakyamuni é “Makakasho Daioshô”. Em sânscrito é Mahakasyapa. Mahakasyapa era um dos dez principais discípulos de Buda e ele era considerado o primeiro em práticas ascéticas, respeitado por sua determinação em fazer a prática da maneira mais determinada possível.

Mas a história que eu queria contar é que Mahakasyapa estava na assembleia e Buda ia ensinar, ia fazer uma palestra e em vez de iniciar uma palestra ele pegou uma flor e a levantou. E fez só isso, só mostrou a flor. E Mahakasyapa sorriu, entendendo o que Buda queria comunicar, e Buda disse: “Mahakasyapa foi o único que entendeu”. Então Mahakasyapa vem a ser, depois da morte de Buda, o seu sucessor. Nós somos herdeiros desta transmissão.

Já Ananda, era o discípulo secretário de Buda, era o Jisha, estava sempre do lado de Buda, tinha uma memória fantástica e decorava tudo o que o Buda dizia, sabia os ensinamentos de cor. Ninguém sabia as coisas do mesmo jeito que Ananda, além disso, ele era primo de Buda. Ninguém podia falar com Buda sem antes passar por Ananda. Durante 40 anos ele fez esse trabalho. Mas Ananda era muito bonito e as mulheres adoravam Ananda. Posso imaginar Ananda indo mendigar e sempre as mulheres sorrindo e num desses Sutras, Buda vai fazer uma palestra, é um Sutra mahayana, não é um Sutra do Cânon Pali, Buda vai fazer uma palestra e diz: “Onde está Ananda”? “Ananda se envolveu com umas mulheres ai...”, e então ele manda chamar Ananda que vem com as mulheres e se senta com elas. Buda faz a palestra assim mesmo. Mas ocorre que Ananda com toda sua beleza, fascínio, inteligência, carisma e etc, ele não consegue se iluminar. 

Então quando Buda morre, Mahakasyapa é o seu sucessor. E aí no primeiro concílio de Monges os outros Monges dizem, “tudo bem, Mahakasyapa vai liderar mas Ananda não pode nem se sentar na reunião pois ele não despertou ainda”. Com isso eles dão uma semana de prazo para ele se despertar e ele consegue. Ele realmente se senta pra valer e consegue atingir o despertar. Depois que Mahakasyapa morre então Ananda é eleito.

Por isso que nós recitamos: “Shakyamuni Butsu Daioshô”, “Makakasho Daioshô”, “Ananda Daioshô”. E Ananda, desperto, torna-se também um grande mestre.

Inclusive a história da transmissão dele pra Shonawashu, que é quem vem depois, é muito bonita porque Shonawashu pergunta pra ele: Qual é a natureza das coisas? E Ananda mostra pra ele o manto. E olhando para o manto, Shonawashu percebe, “ah, as coisas são todos costuradas, interconectadas, amarradas umas nas outras”. Mas Mestre, pergunta para Ananda, “qual é a natureza última de todas as coisas?”, e Ananda então arranca o manto de Shonawashu e embaixo do manto não tem nada, porque naquela época se usava o manto diretamente sobre o corpo, como até hoje nos países quentes do sul da Ásia. Então quando Ananda arranca o manto, Shonawashu está nu. Naquele choque, de repente, com aquele ato inusitado de Ananda, Shonawashu compreende que a natureza última de todas as coisas é vazia e, neste momento, Shonawashu desperta. E essa é a história de transmissão de Ananda para Shonawashu.