segunda-feira, 29 de junho de 2015

SOMOS TODOS UM

É claro que isso aqui é o ensinamento do Dharma, a própria teoria da prática que é extremamente difícil, porque inevitavelmente as pessoas abrem suas bocas e começam a falar, a dizer o que pensam e o que acham. Isso nós vemos constantemente nas redes sociais não é?

Todo mundo tem uma opinião, todo mundo acha que sabe, todo mundo quer ensinar aos professores. Mas não fazem perguntas, já saem dizendo o que pensam. E esse é o grande problema da quantidade de atritos que nos temos no mundo.

Porque não se pensa longamente, se sai tendo uma opinião e depois que alguém manifestou uma opinião, tem que defender aquela opinião com unhas e dentes porque é a “minha” opinião. No fundo isso é produto do eu. Eu tenho a “minha” opinião.

Enquanto você não se esquecer desse “eu”, de mim mesmo, você não cresceu, porque você está separado, não consegue ver os outros seres como seus seres, seres iguais a você, no fundo, você mesmo, a quem você tem que amar indistintamente e tem que procurar achar a semente do bem dentro de todos.

Por isso o voto do Bodhisattva no fim do zazen é sempre: “Os seres são inumeráveis eu faço votos de libertá-los todos”. 

Se você faz esse voto é porque você acredita que cada um dos seres, mesmo o pior deles, tem a semente búdica dentro de si, ou seja, pode se libertar. Ele tem condição de se libertar. Não existe aquele ser para ser condenado eternamente, recusado eternamente, não existe. Se você não for capaz de tentar estender a mão a todos os seres, então você está descumprindo o primeiro voto do Bodhisattva.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

1º VOTO DO BODHISATTVA



O senhor falou que todos podemos nos tornar Budas. Entre os votos do Bodhisattva há aquele em que ele se compromete a salvar todos os seres, mesmo que sejam incontáveis. Isso não é contraditório partindo do pressuposto que os seres são inumeráveis?

Monge Genshô – O primeiro voto do Bodhisattva é: "Os seres são inumeráveis, eu faço o voto de libertá-los todos".

É uma bela contradição. É um paradoxo. Como o Bodhisattva fez esse voto, ele não torna-se Buda. Mas isso não significa que ele não tenha um grande grau de iluminação, que não consiga despertar e realizar-se. No último degrau, na extinção completa, o Bodhisattva abdica, para retornar por compaixão. É um voto muito bonito. 

“Bodhi” significa “mente iluminada”. “Satva” é ser. Então Bodhisattvas são aqueles seres que alcançaram um grau de iluminação e se dedicam a salvar os outros seres. 

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O TRIKAYA


Semana passada alguém pediu para explicar sobre o “Trikaya”. O Trikaya é muito antigo e já aparece nas primeiras escrituras do Cânon Páli.

O Cânon Páli é um cânone que foi escrito em língua Páli, que é a língua do tempo de Buda, mas provavelmente Buda falava o dialeto “Magada”. O Páli é um descendente do sânscrito e pode ser considerado um sânscrito mais suave. Onde em sânscrito se diz “Dharma”, em Páli se diz “Dhama”. “Carma” em sânscrito, “Cama” em Páli. A letra “erre” não é pronunciada e fica uma pronúncia mais suave que o sânscrito clássico, que é a “língua dos vedas”.

Posteriormente, à medida que os escritores iam tornando-se mais eruditos, ficou mais natural escrever os textos budistas em sânscrito e, desse modo, muitos textos foram transcritos nesta língua, inclusive os textos escritos mais tarde, em chinês, por exemplo. Grandes obras como Prajna Paramita já foram editadas em sânscrito e não em Páli. Mas o mais antigo conjunto de escrituras encontradas, inclusive escritas em folhas de palmeira há mais ou menos no ano 300 a.C., foi em Páli.

Em Páli, trikaya significa “OS TRÊS CORPOS”, nesse caso os três corpos de Buda.

Buda deriva do verbo “Bud”, despertar.  Buda não é nome de uma pessoa, mas sim a qualidade de ser desperto. Por isso dizemos que todas as pessoas têm a capacidade de serem Buda ou, que somos "Budas em potencial", pois temos um Buda escondido dentro de nós. Se acordarmos das ilusões, nos tornamos automaticamente Budas. Portanto, somos Budas em potencial, mas não de fato, porque enquanto formos sonâmbulos andando na vida, somos pessoas de sonhos, seres do Samsara, o mundo da perambulação.

Então temos três corpos de Buda. O primeiro é o “Dharmakaya”, o “CORPO DA VERDADE”. Para entendermos a figuração disso, o corpo da verdade é imanente por todo o universo. É como se imaginássemos o céu azul. Podem aparecer nuvens e tempestades, chuvas etc., mas quando tudo passa, lá está o imutável céu, ele não desaparece. Ele está sempre presente, embora possa estar totalmente obscurecido. O corpo da verdade de Buda é o Dharmakaya, portanto. Todos somos manifestações no Dharmakaya.

O segundo kaya é o “Sambhogakaya”, o “CORPO DA FALA DE BUDA”, o corpo do esclarecimento, da luz que ele traz. Imaginemos um lugar completamente escuro, uma noite escura onde nada se vê. Quando acendemos uma luz, ela instantaneamente revela todas as coisas, lhes dá cor e todas as coisas começam a ser visíveis a partir desse instante em que levamos o Sambhogakaya até esse local. É o corpo do ensinamento de Buda.

O terceiro é o “Nirmanakaya”, o “CORPO DA MANIFESTAÇÃO”, o corpo físico com o qual Buda se manifesta no mundo.  Como ele possui um corpo físico e esse lhe é útil para iluminar todos os seres, para se deslocar, comer, aparecer e ensinar, esse corpo é então o corpo da manifestação física.

Na verdade, Buda é os três corpos. Quando falamos no Buda transcendente, não no homem, estamos falando nos três. O Buda é sempre o Dharmakaya, Sambhogakaya e é sempre o Nirmanakaya, e se manifesta cada vez que se torna necessário para salvar os seres do sofrimento.


segunda-feira, 22 de junho de 2015

ALIMENTANDO SONHOS



Pergunta: Queria que o Senhor fizesse uma relação, se é que tem, com os sonhos. Porque quando estamos muito perturbados, nós sonhamos muito?

Monge Genshô: Os sonhos são um retorno daquilo com que você alimentou a sua mente. Voltando à história do computador. Quando nós temos uma perturbação, ela é como um vírus. Ele traz para a tela o que você não quer. De novo, você não quer aquilo, mas ele traz de novo, de novo, sempre a mesma coisa. Ou seja, sua mente está contaminada, doente e ela volta a apresentar sempre a mesma a coisa de novo. É como se você tivesse um vírus dentro da mente. O que temos que fazer é a mesma coisa, você tem que reprogramar sua mente e seus sonhos se alterarão. Existe um momento em que você vai praticando, praticando, e os sonhos mostram aquilo que você está sempre alimentando. Eu sonho que estou fazendo palestra do Dharma. Isso é natural, porque minha mente está funcionando assim, nesse tipo de frequência. Como é que dizem agora, “vibe”, né? (risos). Ela está funcionando nesta frequência, então, ela apresenta aquilo com que a estou alimentando.

Agora, uma boa comparação é, "tem gente que gosta de assistir filme de terror".  Eu não entendo bem isso, até porque os filmes de terror são muito estranhos. Nesses dias, estava com um filho meu e ele estava vendo um filme de Merlin. Tinha um esqueleto andando. E eu perguntei para ele "meu filho, e esqueleto pode andar sem músculos?". "É, não pode.". Então é tudo muito idiota, né? (risos). Você assiste filmes de terror, coloca isso dentro de seu cérebro. Aqueles "cookies", "arquivos temporários", aí você coloca mais "arquivos temporários" dentro da sua mente para facilitar abertura daquela coisa. Quando você dorme, o que sua mente vai produzir? Vai produzir com aquilo que você a alimentou. Você encheu a cabeça com aqueles arquivos e os arquivos aparecem no sonho. Então você sonha de novo com uma coisa inútil, com maus sentimentos, com medos, não tem sentido algum. Vocês deveriam tomar cuidado com o que alimentam sua mente. Ler coisas boas, assistir coisas boas, tudo o que eleva, e não assistir o que rebaixa.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

NÃO HÁ SALVAÇÃO, HÁ LIBERTAÇÃO

Aluno – O que seria uma estratégia para disseminar o Budismo e que pode ser canalizado pra humanidade em geral?

Monge Genshô – Não existe uma estratégia pra difundir o budismo. O budismo não faz um proselitismo, se fizesse um proselitismo faria um esforço para ter mais alunos, mas na realidade não posso acreditar que esse método de treinamento Zen possa se tornar popular. Então vir ao segundo sesshin é muito importante, porque existe um numero de pessoas que vêm para o sesshin apenas uma vez na vida, guardam lembranças, têm coisas interessantes para dizer, mas não repetem essa experiência. Acho que a resposta é que realmente não existe uma estratégia para difundir o budismo. O budismo é na realidade muito difundido do ponto de vista intelectual, literário, artístico, a influência do budismo é inegável, é vasta, mesmo na cultura ocidental. Mas "praticantes" budistas são coisas muito difíceis de encontrar.

Aluno – O populismo então não atende o voto de salvar todos os seres?

Monge Genshô – Nós temos muito tempo pra salvar todos os seres, muito tempo. Mas nenhum ser será salvo por uma ação externa. Você não pode salvar os seres, você pode acordá-los para que eles se salvem, mas eles precisam querer acordar. Mas do ponto de vista budista, não tem pressa. Se alguém está num outro caminho e está bem, por que você vai interferir? Deixe ele lá. Isso não é um problema do ponto de vista budista. Nós não precisamos convencer, converter, não precisamos nada, está tudo bem como está.

Esse “salvar”, essa palavra “salvar” não tem o significado correto para o budismo. É melhor usar a palavra “libertar”. “Libertar os seres de suas ilusões” tem sentido, mas o budismo não tem uma doutrina salvífica, do tipo: “Vou salvar da morte” através da ressurreição proporcionada por Cristo, por exemplo, que é a doutrina cristã predominante. Não é isso. Então a palavra “salvar” pode causar confusão quando a usamos no budismo. Esse é um grande problema de palavras.

Quando o budismo entrou na China e se traduziram os textos, você tinha que usar palavras, e onde estavam as palavras disponíveis? No Taoísmo. Então você usava palavras Taoístas para expressar e acontecia isto, que é um bom exemplo. “Salvar”, no contexto unicamente budista, se só houvessem budistas, teria um sentido. Mas se você usa na língua portuguesa, pescando os significados do cristianismo, aí você vai ter uma confusão. Por isso a palavra “libertar”, fica melhor: “libertar das ilusões”, é isso que o budismo faz.