sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Jogar Tudo Fora




Bodhidharma não queria nenhum aluno que estivesse lá por mera curiosidade. E isto é uma experiência que a gente tem constantemente. Cada vez que eu vou fazer uma palestra para um público grande, simplesmente sentam 200 pessoas lá porque ouviram falar que vem um professor budista. Mas as perguntas muitas vezes são desconexas com o budismo. Lembro-me muito bem que estava fazendo uma palestra na UFSC quando uma mulher levantou o braço e disse assim: “mas o senhor não acredita em nada!”. Ela queria que eu desse alguma coisa para ela acreditar. E eu disse: “o zen não é uma religião de acreditar. O zen é uma religião de despertar”.

Eu sei que o que eu disse não é uma resposta, que não faz cair a ficha na hora. Vai ter que pensar nela durante muito tempo, porque tem que entender o que é despertar. E é por isso que no caso de Bodhidharma não é questão de não ter compaixão. É que não adianta explicar isso para quem não tem uma profunda necessidade, para quem não estiver disposto a jogar tudo fora, para quem não estiver disposto a cortar o braço. Não adianta explicar. A explicação não vai funcionar. Por isso, as boas aulas só são dadas na sangha. E só para quem se senta (em zazen) antes.

 [Trecho extraído de palestra proferida em Florianópolis, 23/08/2016, por Meihô Genshô Sensei]

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

"Eu o Vi Sem Ver"




A história do budismo é uma história de renascimentos doutrinários. Porque é difícil, mesmo dentro do budismo e dentro da prática dos monges nós encontrarmos bons mestres. É difícil.

Quando Bodhidharma, no ano 600 d.C., chega à China, ele encontra um budismo que já não é aquilo que nós estamos falando aqui. O diálogo dele com o imperador Wu mostra isso claramente. O imperador se considerava budista, um grande budista, um patrocinador do budismo. Ele manda vir aquele mestre que veio da Índia e a primeira pergunta que o imperador Wu faz é: “eu construí muitos templos e mosteiros para o budismo. Que méritos eu acumulei nos céus por causa disso?”. Ele queria trono. Então Bodhidharma, que era um mestre zen, responde “Mérito nenhum, majestade”. O imperador faz outra pergunta: “Então qual é a grande verdade da sagrada doutrina?” E Bodhidharma responde: “vazio ilimitado”. Na realidade ele está dizendo Anatta, nenhuma coisa tem um eu inerente; todas as coisas são vazias de uma identidade própria; todas estão interconectadas; todas são interdependentes. Não existe isso de “eu sou separado”, essa ilusão que nós sentimos de separação. Nós somos o Tudo. 

E Bodhidharma responde isso para o imperador, que não entende essa resposta. “Vazio ilimitado é a grande verdade. E não há nada que possa ser chamado de sagrado”, Bodhidharma responde. E o imperador não entende, se irrita e pergunta: “então quem é que eu tenho na minha frente?”, e Bodhidharma responde: “não faço a menor ideia”, vira as costas e vai embora. 

Depois disso o imperador escreve um poema, manda procurá-lo, mas não o encontra mais - “Eu o vi sem ver”. Bodhidharma não aceita nenhum aluno durante 9 anos. As pessoas vão procurá-lo e ele não aceita ninguém. Ele só aceita Taiso Eka, que tem a coragem de cortar o braço para pedir para ser aluno. Nós vamos fazer essa tradição aqui [risos].

[Trecho extraído de palestra proferida em Florianópolis, 23/08/2016, por Meihô Genshô Sensei]

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Quem tem Olhos, Vê





Os mestres são raros, essa é a realidade. É um grande privilégio encontrar um mestre. Mas, por alguma razão, algumas pessoas são atraídas por essa chama, estão procurando aquela chama e vão encontrá-la. E quando os mestres olham para as pessoas, também reconhecem nos olhos daqueles que estão procurando. E os olhos daqueles que estão procurando são também difíceis de encontrar.

Mas se você desenvolve esta mente que está procurando, você de alguma maneira é direcionado para encontrar e para reconhecer. Há um texto famoso de Dogen cujo título é “Só um Buda reconhece Buda”. Porque aqueles que estão mergulhados na ignorância não veem a sabedoria. Eles acham a sabedoria tola ou careta ou qualquer coisa. Um exemplo dentro da nossa cultura ocidental são os soldados romanos que chicoteavam Cristo, pois eles não viam quem era Cristo. Como você poderia chicotear um Boddhisatva? Você não poderia fazer isso… Mas se você tem uma mente obscurecida, você não enxerga nada. Passa um Buda no meio de nós e é um homem comum. Essa é que é a verdade.

Agora se você tem olhos, você olha e no meio da multidão você vê. Você vê um Buda. Isso acontece mesmo no meio dos monges ou dentro dos mosteiros. Não se engane. A gente não entra dentro de um mosteiro e todo mundo é maravilhoso. Mesmo dentro de um mosteiro é raro encontrar um mestre. É muita sorte quando você encontra um mosteiro que tenha um mestre real. Alguém que valha a pena. Você tem que ter os olhos abertos para ver isso.

[Trecho extraído de palestra proferida em Florianópolis, 23/08/2016, por Meihô Genshô Sensei]