quarta-feira, 7 de março de 2018

Eu tenho a capacidade de ficar sem nada





Pergunta: Sobre a questão da experiência, uma vez eu li sobre um problema seu. O senhor fala que você voltou para casa, pensando naquilo tudo e foi sentar em zazen. Então gostaria que o senhor falasse pensando em alguém que não é budista, ou não tem uma prática meditativa, como essa pessoa pode dar um primeiro passo para começar a lidar com as crises da vida?

Monge Genshô: Essa foi uma experiência bem interessante, porque foi um insight. Eu estava numa empresa onde eu era avalista de operações e houve um desfalque. Um sócio roubou o dinheiro. Eu voltei para casa dirigindo o meu carro e pensando “a empresa vai à falência, meu nome será arrastado, perderei crédito, vai acontecer mais isso, isso e aquilo”. Toda a minha vida profissional estava vindo abaixo naquele instante e fui para casa pensando no tamanho desse desastre e em como eu não sabia como sair dele. Quando cheguei em casa, sem saber o que fazer, peguei um zafu (almofada), coloquei no quarto, fechei a porta e me sentei. Não demorou muito para me vir o seguinte insight: “eu posso falir, eu posso perder meu nome, meu crédito, eu posso! Eu tenho essa capacidade. Então não tem problema, porque eu tenho a capacidade de ficar sem nada”.

Levantei-me consciente dessa capacidade de perder tudo, peguei o carro e dirigi de volta para a cidade onde estava a empresa. Cheguei e tomei providencias: vamos vender o estoque, vamos negociar com os credores, vou sentar na frente de cada um deles e explicar que houve um desfalque e que quero que eles me ajudem a resolver, vamos vender as máquinas, etc. Resolvi. Resolvi tudo.

Semanas depois eu estava vendo televisão e vi uma entrevista de um diretor de uma empresa contanto sobre um projeto, olhei e pensei que poderia fazer melhor. Liguei para ele, me apresentei e disse que tinha uma ideia sobre o projeto que ele estava querendo fazer. Sentamos juntos e estruturamos, pedi porcentagem de remuneração sobre o resultado, os sócios conversaram e algumas semanas depois fechamos o contrato. Vendemos 2 milhões de dólares e eu ganhei um percentual sobre o valor. Essa era uma empresa de turismo. Naquela época sofríamos com uma inflação violentíssima com o governo Collor e eu bolei um sistema de poupança turismo para eles e nós vendemos isso para as pessoas. Deu muito certo, foi o primeiro projeto de poupança turismo. Isso foi em 1989. Então faz muito tempo, mas a história é interessante no sentido de: enquanto eu pensei que era um problema enorme, ele me esmagava. Quando eu pensei “posso perder tudo”, o problema se resolveu. Então se você pensa “eu posso morrer”, está resolvido. Não existe um problema tão grande que seja superior ao seu próprio desaparecimento, mas isso é inevitável, então não existe um problema real.

Nessa época eu não era Monge, não tinha nem o meu rakusu, só sabia o que era sentar em zazen e já me foi possível resolver um problema assim, através de um insight. Isso é possível. Espero que vocês achem esse tipo de história interessante, mas provavelmente todas as pessoas já passaram por algum momento na vida onde pensaram: minha vida está sem sentido, destruída, ou qualquer coisa assim, mas isso não é verdade. Não é verdade se você olhar com outros olhos.